sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Por que se criam blogs?



Não sei exatamente o que leva a maioria das pessoas a criarem blogs, fotologs, my spaces e afins, mas tenho um palpite de que a razão tenha a ver com identidade. Pessoas estão, o tempo todo, desejosas de afirmarem sua identidade individual, até mesmo quando julgam estar afirmando uma identidade de grupo, seja por meio dos textos (próprios ou de autores favoritos) publicados em diários virtuais, seja através de fotos lançadas a cada minuto nos fotologs, ou das músicas baixadas nos my spaces. Deixemos de lado as questões sobre o quê e onde, pois não importam aqui, e nos concentremos no porquê. Em tempos em que as relações humanas se liquefazem tão facilmente, como assinala Bauman em obras como Amor Líquido e Modernidade Líquida, os seres humanos tendem a se isolar dentro do que acreditam ser o seu “eu” verdadeiro, a salvo das ameaças que as relações exteriores podem representar a sua individualidade. Importante salientar aqui que as identidades, para Bauman, longe de serem rígidas, são também elas líquidas, fluidas, dispostas a se moldarem o tempo todo às mudanças sociais, políticas, econômicas, pois “nenhuma união de corpos pode, por mais que se tente, escapar à moldura social e cortar todas as conexões com outras facetas da existência social” (Amor Líquido). Peço licença ao sociólogo polonês para estender essa afirmação – aplicada especificamente ao amor na comtemporaneidade – à formação da identidade, pois entendo que ela (identidade) seja produto do encontro social entre as pessoas, dentro de uma cultura, num tempo histórico.

Ao mesmo tempo, no que pode parecer – e é – um movimento paradoxal, as pessoas lançam-se em relacionamentos novos com uma freqüência cada vez maior, cuja marca principal é a transitoriedade. Não estou falando aqui apenas de relacionamentos amorosos, embora também deles, mas de todo tipo de relações humanas – as de amizade, as de trabalho e até mesmo as de parentesco. É difícil fugirmos da vontade de auto-afirmação e do apelo individualizante da pós-modernidade. Estamos cotidianamente caindo na armadilha do individualismo, da busca por um sucesso profissional que se define pelo retorno meramente financeiro, traduzido em acumulação de dinheiro para sustentar nosso consumismo. Somos levados a acreditar que nossa felicidade e realização como pessoas se devam menos a nossa capacidade de nos relacionarmos com os outros, do que às contingências exteriores a nós – um bom emprego, um salário digno – de modo que fugimos à responsabilidade e a depositamos na conta do mundo perverso e cruel lá fora – a metáfora foi, sim, uma alfinetada no capitalismo e nas regras que ele impõe às relações humanas, à semelhança das relações de consumo – mais uma vez é Bauman quem nos confronta com essa verdade.

Mas por que um texto intitulado “Por que se criam blogs?” está discutindo o mundo capitalista, depois de começar falando em identidade? Para quem pensa que, espertamente, pegou essa pobre escritora em contradição, ou ao menos desprevenida, se engana, pois não estou aqui falando de terceiros, e me excluindo dessa soma, mas ao contrário, falo em primeiro lugar de mim mesma e dos meus blogs – dois em atividade, um parado, mas ainda vivendo no espaço virtual e dois multiply, sem mencionar os perfis do MSN e o do Orkut... Quantas ferramentas pra dar conta de uma pessoa só! Mas uma pessoa inquieta, inconstante, em busca de definição, atrás do sentido das palavras e das coisas e, acima de tudo, do sentido da própria existência. O que são todas essas coisas senão o retrato de uma pessoa numa busca incessante por definir-se e definir o seu mundo, frente às ameaças de dissolução que as relações líquidas parecem significar? Talvez porque o vislumbre da condição de mais um na multidão de corpos controlados seja demasiado incômodo para nossa pobre consciência, presa a uma idéia de individualidade que já não cumpre mais o papel de proporcionar conforto. Talvez porque não queiramos reconhecer o fato de que somos nós que construímos a sociedade em que vivemos, e somos nós, não os deuses, os responsáveis pelas mazelas que se nos abatem. Talvez eu esteja divagando demais nessa madrugada quente e abafada...

Já reconhecemos que a criação de blogs – os quaisquer manifestações dessa natureza – ainda que se definam de outras mil maneiras, guardam uma característica em comum entre si, a saber: todas representam, em maior ou menor grau, algum tipo de esforço para afirmar a identidade de alguém ou de um grupo. Não nos furtamos a reconhecer também, que, não sendo diferentes dos demais, também estamos aqui pra afirmarmos a nossa diferença individual, nossa identidade como sujeitos. Falta falar uma última coisa, para encerrar esse texto – mas não os pensamentos que lhe deram origem! O que falta deixar claro é que não se trata de afirmar juízos de valores quando dissemos, com Bauman, que as identidades e as relações, no tempo que estamos vivendo, são líquidas – isto é: fluidas, escorrem o tempo todo, escapam de definições enclausurantes, e estão, o tempo todo, se moldando às exigências da realidade que nos circunda. Isso não é bom nem mau. Não é melhor nem pior do que o que tínhamos antes – relações mais duradouras entre sujeitos com identidades monolíticas e sólidas. Trata-se, unicamente, de que é o estado das coisas.

Há muito ainda o que dizer. O assunto não se esgota aqui, nem se esgotará nas postagens subseqüentes. Muito do que li nos últimos tempos, bem como dos filmes que tenho assistido, convergiu para que este texto fosse escrito. Nos próximos posts, falarei um pouco mais sobre essas influências.


Bia Loivos.



Para compor esse texto, recorri ao site Digestivo Cultural - resenha do livro Amor Líquido, de Zygmunt Bauman.
http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=123

Aos que queiram se aprofundar, indico este link, que contém uma entrevista com Bauman.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20702004000100015&script=sci_arttext

Outros textos sobre o pensamento do sociólogo polonês também podem ser encontrados no mesmo endereço.



Um comentário:

Bruno disse...

Adorei a sacação sobre a inquietude das identidades em nosso tempo, evidente na quantidade de versões de nós mesmos que surgem no mundo virtual.
Fico com a dúvida sobre fazer ou não juízos de valor sobre estas coisas.