domingo, 28 de junho de 2009

Este é o Prólogo

Federico García Lorca

Deixaria neste livro
toda a minha alma.
este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que pena dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam !

Que tristeza tão funda
é olhar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta !

Ver passar os espectros
de vida que se apagam,
ver o homem desnudo
em Pégaso sem asas,

ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se olham e se abraçam.

Um livro de poesias
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes incute nos peitos
- entranháveis distâncias.

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chamas.

Sabe que as veredas
são todas impossíveis,
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristes
e eternas caravanas

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia é amargura,
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia é o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
corações e chamas.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
sem rumo a nossa barca.

Livros doces de versos
sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
suas estrofes de prata.

Oh ! que penas tão fundas
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam !

Deixaria neste livro
toda a minha alma...

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Junho – mês de Federico García Lorca

Neste mês, o Brusca Poesia presta homengem ao poeta espanhol que era “mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver”:

Federico García Lorca nasceu em Fuentevaqueros, na região de Granada, Espanha, em 05 de junho de 1898, e faleceu nos arredores de Granada no dia 19 de agosto de 1936.

Ingressou na faculdade de Direito de Granada em 1914, transferindo-se em 1919 para Madrid, onde conheceu e ficou amigo de artistas como o cineasta Luis Buñuel e o grande mestre do Surrealismo, Salvador Dalí.

Salvador_Dali_Jose_Moreno_Villa_Luis_Bunuel_Federico_Garcia_Lorca_Jose_Antonio

foto: Salvador Dalí, Jose Moreno, Villa Luis, Buñuel, García Lorca e Jose Antonio

[O filme Little Ashes explora a intensa amizade entre Dalí, Lorca e o cineasta Luis Buñuel. Rodado principalmente em Barcelona com um orçamento de cerca de 2 milhões de euros, mostrará como a relação entre o pintor e o poeta começou como "uma amizade" que com o tempo se tornou "mais íntima" e "progride para um nível físico", explicou a roteirista Philippa Goslett. ]

Depois de concluir os estudos na Espanha, foi para os Estados Unidos, como estudante da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, onde também proferiu várias conferências. Após, segui para Cuba. Esse período ficou marcado a sua fase de poemas surrealistas, reunidos na obra “Poeta en Nuova Iork”, onde manifestou o seu desprezo pelo chamado “American Way Of Life”, o modus vivendi estadunidense que o chocou com a brutalidade da civilização mecanizada, desumana e geradora de injustiças sociais.

Ao voltar para a Espanha, García Lorca criou o grupo de teatro chamado La Barraca. Em suas montagens o poeta não ocultava seus ideais socialistas. Visto com fortes tendências homossexuais, começou a sofrer pereseguições pelo conservadorismo espanhol, que já vinha ensaiando a tomada do poder, que daria início a uma das mais sangrentas guerras fatricidas do século XX.

Após a explosão da Guerra Civil Espanhola, Lorca foi forçado a deixar Madrid e retornar para Granada, na esperança de encontrar um refúgio. Visto como inimigo natural do regime autoritário, por ser um intelectual de vanguarda, homossexual, numa Espanha católica, vítima de uma denúncia de sua própria irmã, perante a ameaça das autoridades de prender ou executar de imediato o seu pai, teve sua prisão decretada por um deputado católico sob o argumento que tornou-se célebre de que ele seria “mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver”. Na madrugada de 18 de agosto, sem nenhum julgamento, o poeta foi executado pelos franquistas com um tiro na nuca, tendo o seu corpo jogado num ponto de Serra Nevada.

Avesso à violência, o poeta, como homossexual que era, sabia muito bem o quanto era doloroso sentir-se ameaçado e perseguido. Nessa época, suas peças teatrais "A casa de Bernarda Alba", "Yerma", "Bodas de sangue", "Dona Rosita, a solteira" e outras, eram encenadas com sucesso.

As seis cordas

Federico García Lorca

A guitarra
faz soluçar os sonhos.
O soluço das almas
perdidas
foge por sua boca
redonda.
E, assim como a tarântula,
tece uma grande estrela
para caçar suspiros
que bóiam no seu negro
abismo de madeira.


Dos sites: www.releituras.com; www.umanoitenataverna.blogspot.com