segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Mistério

Florbela Espanca

Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!

Charneca em Flor.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Versos

Florbela Espanca

Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz. cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma.

Versos!… Sei lá! Um verso é teu olhar,
Um verso é teu sorriso e os de Dante
Eram o seu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!

Meus versos!… Sei eu lá também que são…
Sei lá! Sei lá!… Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez…

Versos! Versos! Sei lá o que são versos..
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês!…

O Livro D'Ele.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela/?page_id=4

domingo, 7 de dezembro de 2008

O Meu Impossível

Florbela Espanca

Minh’alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!

Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito.É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!…

Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!…Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto…

Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!…

Reliquiae.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Teus Olhos

Florbela Espanca

Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis. minhas rendas, meus brocados.

Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d’Além-Mundos ignorados!

Olhos do meu Amor! Fontes… cisternas..
Enigmáticas campas medievais…
Jardins de Espanha… catedrais eternas…

Berço vinde do céu à minha porta…
Ó meu leite de núpcias irreais!…
Meu sumptuoso túmulo de morta!...

Charneca em Flor.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela/?page_id=4

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Alma Perdida

Florbela Espanca

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente…
Talvez sejas a alma, a alma doente
D’alguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste… e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh’alma
Que chorasse perdida em tua voz!…

Livro de Mágoas - Florbela Espanca.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela/

Dezembro, mês de Florbela Espanca.


Florbela Espanca nasceu Flor Bela Lobo, a 8 de dezembro de 1894, filha de João Maria Espanca e Antónia da Conceição Lobo. Florbela entra para o curso primário em 1899, passando a assinar Flor d’Alma da Conceição Espanca.
Em 1903, aos sete anos, faz seu primeiro poema, A Vida e a Morte, já revelando, desde muito cedo, uma tendência a temas mais obscuros.
Casou-se três vezes e não teve filhos. Sofreu dois abortos involuntários. Depois do primeiro deles, em 1917, começa a apresentar os primeiros sinais de neurose e seu casamento se desfaz logo em seguida. O segundo casamento também não durou muito. Separa-se do marido após um aborto, o que faz com que sua família deixe de falar com ela.
Em 1927, seu irmão, Apeles, falece em um acidente, o que agrava consideravelmente a saúde de Florbela. A partir daí, ela nunca mais será a mesma.
Em 1930, tenta o suicídio e é diagnosticado um edema pulmonar. No dia 8 de dezembro do mesmo ano (em seu aniversário de 26 anos) , suicida-se ingerindo dois frascos de Veronal.

Obras

Livro de Mágoas.
Lisboa, Tipografia Maurício, 1919.

Livro de Sóror Saudade.
Lisboa, Tipografia A Americana, 1923.

Charneca em Flor.
Coimbra, Livraria Gonçalves, 1931.

Charneca em Flor.
(com 28 sonetos inéditos). Coimbra, Livraria Gonçalves, 1931.

Cartas de Florbela Espanca.
(a Dona Júlia Alves e a Guido Battelli). Coimbra, Livraria Gonçalves, 1931.

As Máscaras do Destino.
Porto, Editora Maranus, 1931.

Sonetos Completos.
(Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade, Charneca em Flor, Reliquiae). Coimbra, Livraria Gonçalves, 1934.

Cartas de Florbela Espanca.
Lisboa, Edição dos Autores, s/d, prefácio de Azinhal Abelho e José Emídio Amaro(1949).

Diário do último ano.
Lisboa, Bertrand, 1981, prefácio de Natália Correia.

O Dominó Preto.
Lisboa, Bertrand, 1982, prefácio de Y. K. Centeno.

Obras Completas de Florbela Espanca.
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1985-1986, 08 vols., edição de Rui Guedes.

Trocando Olhares.
Lisboa, Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1994; estudo introdutório, estabelecimento de textos e notas de Maria Lúcia Dal Farra.

Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela/?page_id=4