quinta-feira, 23 de setembro de 2010

37 anos sem Pablo Neruda

O poeta não é um ‘pequeno deus’. Não, não é um ‘pequeno deus’. Não está marcado por um destino cabalístico superior ao daqueles que exercem outras funções e profissões. Muitas vezes, expressei que o melhor poeta é o homem que nos dá o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não se crê um Deus. Ele cumpre sua tarefa majestosa e humilde de amassar, colocar no forno, cozinhar e entregar o pão de cada dia, com uma obrigação comunitária. E se o poeta chega a alcançar essa simples consciência, poderia também a simples consciência facilmente tornar-se parte de uma colossal artesania, uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que envolvem o homem, a entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos. Se o poeta junta-se a esta luta nunca desgastada para incorporar sua parcela de comprometimeto, dedicação e carinho para os trabalhos ordinários da vida cotidiana e de todos os homens, o poeta tomará parte no suor, no pão, no vinho, no sonho da humanidade inteira. Só por esse caminho inalienável dos homens comuns chegaremos a restituir a poesia ao amplo espaço que lhe vai recortando cada época, que vamos recortando em capa época nós mesmos. (tradução livre feita por mim)

- Discurso de Estocolmo, pronunciado por Pablo Neruda quando recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, no ano de 1971. O escritor chileno morreu em 23 de setembro de 1973, 12 dias após o golpe militar que derrubou Salvador Allende, tomando o governo do Chile até 1990.

Para ler o discurso inteiro, em sua língua original, visite http://www.neruda.uchile.cl/discursoestocolmo.htm

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Poética

Para os que, assim como eu, são apaixonados pelo amanhecer,  aí vão algumas fotos do nascer do sol hoje na cidade do Rio, pelo fotógrafo Gabriel de Paiva para O Globo. A paisagem é a Praia Vermelha, na Urca. Poderia haver cenário mais apropriado? Irretocável. Poético.

Não posso mais ficar sozinho /Com o meu pensamento /Eu não aguento tanto tempo /Longe dessa casa /Será que é minha a sua casa ainda ? / Será que eu ainda caibo dentro dela ? /A Urca é linda /Mas você ainda é muito mais bela – Nando Reis (A Urca).

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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Amor e seu Tempo

Carlos Drummond de Andrade

Casal_de_velhinhos na cama

Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.
É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe
valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.
Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Mario Quintana, Nando Reis e o amor

Este post é dedicado a Bruno.

Imagem do flickr - JFabra



Como é que os poetas amam? Os poetas sabem amar? Será que eles recitam versos na cama, fazem serenatas, matam-se por amor?

Vinicius de Moraes amou muitas mulheres... Casou-se nove vezes! Dizem que Carlos Drummond de Andrade teve uma amante. Mario Quintana não se casou nem teve filhos.

Mas o que é o amor? 

Há pessoas que, poetas ou não, sabem melhor falar de amor do que senti-lo. Prová-lo. Deixá-lo ser amor e deixá-lo ser amado.

Eu não sei definir o amor. Eu não desejo tentar. O que eu quero - só o que eu quero - é botar pra fora, entregar pra quem eu amo. Fazer acontecer.

O amor é um verbo que só existe quando se conjuga.

***

Hoje estava lendo o meu Quintana de bolso (L&PM POCQUET) e me ocorreram esses pensamentos. Lembrei de uma música do Nando Reis que diz assim: "Tornar o amor real é expulsá-lo de você/pra que ele possa ser de alguém".  Daí nasceu esse post.

***

Presença (Mário Quintana)
Para Lara de Lemos

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
a folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!

(publicado no livro Apontamentos de História Sobrenatural e no Quintana de bolso - Rua dos Cataventos e outros poemas)

Quem vai dizer Tchau (Nando Reis)
Quando aconteceu? Não sei.
Quando foi que eu deixei de te amar?
Quando a luz do poste não acendeu
Quando a sorte não mais soube ganhar
Não..
Foi ontem que eu disse não..
Mas quem vai dizer tchau?
Onde aconteceu? não sei.
Onde foi que eu deixei de te amar?
Dentro do quarto só estava eu
Dormindo antes de você chegar..
Mas não..
Não foi ontem que eu disse não..
Mais quem vai dizer tchau?
A gente não percebe o amor
Que se perde aos poucos sem virar carinho.
Guardar lá dentro amor não impede,
Que ele empedre mesmo crendo-se infinito.
Tornar o amor real é expulsá-lo de você,
Prá que ele possa ser de alguém!
Somos se pudermos ser ainda
Fomos donos do que hoje não há mais.
Houve o que houve é o que escondem em vão,
Os pensamentos que preferem calar,
Se não, irá nos ferir um não -
Mas quem não quer dizer tchau.
A gente não percebe o amor
Que se perde aos poucos sem virar carinho.
Guardar lá dentro amor não impede,
Que ele empedre mesmo crendo-se infinito.
Tornar o amor real é expulsá-lo de você,
Prá que ele possa ser de alguém!
Possa ser de alguém
Possa ser de alguém
Ser de alguém!
Oh! Não!
(Gravada no CD Luau MTV- Nando Reis e os Infernais)