segunda-feira, 30 de março de 2009

30 de março - dia de Thiago de Mello


Hoje, 30 de março, é aniversário de 83 anos de Thiago de Mello, e o Brusca Poesia homenageia o poeta.

Amazonense de Barreirinha, Thiago de Mello apresenta-se ao cenário cultural e literário brasileiro com o livro Silêncio e Palavra, em 1951, pelo qual recebe vigorosas homenagens.

Depois viriam Faz Escuro, mas eu Canto; A Canção do Amor Armado; Horóscopo para os que estão vivos, Poesia Comprometida com a minha e a tua Vida; Mormaço na Floresta; Num Campo de Margaridas.

"O poeta e o partisan eram uma só pessoa, dedicada sem medir esforços ou riscos à luta pela emancipação do homem, tanto dos grilhões que injustas estruturas do poder econômico-político lhe impõem quanto das limitações com que individualismo, ignorância ou timidez lhe tolhem os passos."

Preso e exilado no período da ditadura militar, não se deixou abater. Ao contrário, essa experiências enriqueceram ainda mais sua produção posterior.

"No livro mais recentemente publicado, De Uma Vez Por Todas, todas as linhas marcantes de sua poesia, o lirismo, a sensibilidade humana, a alegria de viver, a luta contra a opressão, o amor constante à Amazônia natal se reúnem harmonicamente, num tecido de rara força e beleza. O poeta não escreve seus poemas apenas em busca de elegância formal: neles se joga por inteiro, coração, cabeça e sentimento, e isso lhes dá autenticidade e força interior."


Ninguém de habita

Thiago de Mello


Ninguém me habita.A não ser

o milagre da matéria

que me faz capaz de amor,

e o mistério da memória

que urde o tempo em meus neurônios,

para que eu, vivendo agora,

possa me rever no outrora.

Ninguém me habita. Sozinho

resvalo pelos declives

onde me esperam, me chamam

(meu ser me diz se as atendo)

feiúras que me fascinam,

belezas que me endoidecem.


Fonte: Jornal de Poesia.

sábado, 21 de março de 2009

Mulher e Gata


Paul Verlaine

Ela brincava com a gata
E era admirável ver as duas,
A branca mão e a branca pata,
Brincando à noite, na penumbra.
Ela escondia - a celerada ! -
Sob as mitenes de fio escuro
As assassinas unhas de ágata,
Claras, cortantes, como um gume.
Fingia-se a outra adoçada
E retraía a garra afiada,
Mas o diabo nada perdia...
E no toucador retinia
O som de aéreas gargalhadas
E quatro pontos fosforesciam.
Imagem: Mulher com um gato. Renoir. Óleo sobre tela, 1875.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Arte Poética




Paul Verlaine

(a Charles Morice)

Antes de qualquer coisa, música
e, para isso, prefere o Ímpar
mais vago e mais solúvel no ar,
sem nada que pese ou que pouse.
E preciso também que não vás nunca
escolher tuas palavras em ambiguidade:
nada mais caro que a canção cinzenta
onde o Indeciso se junta ao Preciso.
São belos olhos atrás dos véus,
é o grande dia trêmulo de meio-dia,
é, através do céu morno de outono,
o azul desordenado das claras estrelas!
Porque nós ainda queremos o Matiz,
nada de Cor, nada a não ser o matiz!
Oh! O matiz único que liga
o sonho ao sonho e a flauta à trompa.
Foge para longe da Piada assassina,
do Espírito cruel e do Riso impuro
que fazem chorar os olhos do Azul
e todo esse alho de baixa cozinha!
Toma a eloquência e torce-lhe o pescoço!
Tu farás bem, já que começaste,
em tornar a rima um pouco razoável.
Se não a vigiarmos, até onde ela irá?
Oh! Quem dirá os malefícios da Rima?
Que criança surda ou que negro louco
nos forjou esta joia barata
que soa oca e falsa sob a lima?
Ainda e sempre, música!
Que teu verso seja um bom acontecimento
esparso no vento crispado da manhã
que vai florindo a hortelã e o timo...
E tudo o mais é só literatura.

domingo, 15 de março de 2009

A uma mulher

Paul Verlaine

Para vós são estes versos, pela consoladora
Graça dos olhos onde chora e ri um sonho
Doce, pela vossa alma pura e sempre boa,
Versos do fundo desta aflição opressora.
Porque, ai! o pesadelo hediondo que me assombra
Não dá tréguas e, louco, furioso, ciumento,
Multiplica-se como um cortejo de lobos
E enforca-se com o meu destino que ensanguenta !
Ah ! sofro horrivelmente, ao ponto de o gemido
Desse primeiro homem expulso do Paraíso
Não passar de uma écloga à vista do meu !
E os cuidados que vós podeis ter são apenas
Andorinhas voando à tarde pelo céu
- Querida - num belo dia ameno de setembro.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Março, mês de Paul Verlaine


Este mês o Brusca postará poemas de Paul Velaine, o Príncipe dos Poetas, tal como ficou conhecido na França.

Paul Verlaine foi um poeta francês, nascido em 30 de março 1844, de vida considerada atribulada e escandalosa, cuja poesia reflete a contradição entre uma conduta deplorável e um ideal quase primitivo de pureza e misticismo. Verlaine nasceu em Metz e fez seus estudos secundários em Paris, entrando depois, como funcionário, para a Prefeitura. Já nessa época, frequentava a boemia dos cafés parisienses, sendo um funcionário relapso e pouco assíduo. É então que descobre a poesia. Poèmes Saturniens ("Poemas Saturninos", 1866) é sua primeira coletânea publicada. Verlaine professa de início a impassibilidade parnasiana, mas já seu instinto poético o conduz a dar maior agilidade ao alexandrino, a utilizar os ritmos ímpares, a sugerir vagos estados por estrofes vaporosas. Poucas obras na história da poesia francesa são mais sinceras e comoventes. Inquieto e instável, o poeta conquista por algum tempo o equilíbrio e a paz, quando se casa em 1870 com Mathilde Meauté.

Porém, sucedem-se logo os mal-entendidos conjugais e Verlaine retoma seus antigos hábitos boêmios. Liga-se então ao jovem poeta Rimbaud e em sua companhia perambula pela Inglaterra e a Bélgica. Em julho de 1873, em Bruxelas, sob a influência da bebida, atira duas vezes no amigo, e é preso. Durante os dois anos de prisão em Mons vem a saber que a esposa pedira divórcio. Profundamente abalado, Verlaine se converte a fé católica. Testemunhas dessa fase de crise e conversão, são seus dois livros: Romances sem palavras, de 1874 e Sabedoria, de 1881. De regresso à França em 1877 e, enquanto ensinava Inglês em uma escola em Rethel apaixonou-se por um de seus alunos, Lucien Létinois, que foi quem o inspirou a escrever seus próximos poemas. Verlaine ficou devastado quando o garoto morreu de tifo em 1883.

Também é flagrante a influência do gênio de Rimbaud nos temas e nos ritmos. Foi admirado pelos simbolistas que o endeusaram, embora o próprio poeta se quisesse manter independente de qualquer corrente literária. No final de sua vida, o poeta se esgota e o homem se degrada. Apesar da celebridade e do respeito da novas gerações que o consagram como o "Príncipe dos Poetas", ele vive miseravelmente perambulando de hospital em hospital e de café em café até sua morte, em 08 de janeiro 1896.

Adaptado de: Nossa Casa e Wikipédia.

domingo, 8 de março de 2009

Dia Internacional da Mulher

No poema de Vinicius de Moraes que transcrevo abaixo, dedicado a Nelita, quarta esposa do poeta, com quem este viveu de 1963 a 1969, vemos um homem disposto e dedicado à mulher por quem se apaixonou. Ele zela por sua saúde, pede que lhe tragam seus instrumentos de trabalho (papel, esferográficas) - quer estar pronto para a poesia -, porque sua amada vai chegar.

Neste 08 de março, desejo que cada mulher tenha um homem pronto e dedicado a ela, a amá-la e a cobri-la de carinhos, mimos e presentes. Mas não apenas isso. Queremos homens que nos respeitem, que nos façam ter orgulho deles, que tenham qualidades admiráveis como lealdade, afetividade, compaixão, senso de justiça, honestidade. Queremos pais zelosos para os nossos filhos, que os façam melhores homens e melhores mulheres do que conseguimos ser.

Queremos a felicidade!
Feliz Dia Internacional da Mulher a todas as mulheres!


A brusca poesia da mulher amada (III)
Vinicius de Moraes
(A Nelita)

Minha mãe, alisa de minha fronte todas as cicatrizes do passado
Minha irmã, conta-me histórias da infância em que que eu haja sido herói sem mácula
Meu irmão, verifica-me a pressão, o colesterol, a turvação do timol, a bilirrubina
Maria, prepara-me uma dieta baixa em calorias, preciso perder cinco quilos
Chamem-me a massagista, o florista, o amigo fiel para as confidências
E comprem bastante papel; quero todas as minhas esferográficas
Alinhadas sobre a mesa, as pontas prestes à poesia.
Eis que se anuncia de modo sumamente grave
A vinda da mulher amada, de cuja fragrância já me chega o rastro.
É ela uma menina, parece de plumas
E seu canto inaudível acompanha desde muito a migração dos ventos
Empós meu canto. É ela uma menina.
Como um jovem pássaro, uma súbita e lenta dançarina
Que para mim caminha em pontas, os braços suplicantes
Do meu amor em solidão.
Sim, eis que os arautos
Da descrença começam a encapuçar-se em negros mantos
Para cantar seus réquiens e os falsos profetas
A ganhar rapidamente os logradouros para gritar suas mentiras.
Mas nada a detém; ela avança, rigorosa
Em rodopios nítidos
Criando vácuos onde morrem as aves.
Seu corpo, pouco a pouco
Abre-se em pétalas...
Ei-la que vem vindo
Como uma escura rosa voltejante
Surgida de um jardim imenso em trevas.
Ela vem vindo... Desnudai-me, aversos!
Lavai-me, chuvas! Enxugai-me, ventos!
Alvoroçai-me, auroras nascituras!
Eis que chega de longe, como a estrela
De longe, como o tempo
A minha amada última!