Adélia Prado
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
domingo, 30 de março de 2008
quarta-feira, 26 de março de 2008
Um sorriso
"Quando
com minhas mãos de labareda
te acendo e em rosa
embaixo
te espetalas
quando
com o meu aceso archote e cego
penetro a noite de tua flor que exala
urina
e mel
que busco eu com toda essa assassina
fúria de macho?
que busco eu
em fogo
aqui embaixo?
senão colher com a repentina
mão do delírio
uma outra flor: a do sorriso
que no alto o teu rosto ilumina?"
Ferreira Gullar
com minhas mãos de labareda
te acendo e em rosa
embaixo
te espetalas
quando
com o meu aceso archote e cego
penetro a noite de tua flor que exala
urina
e mel
que busco eu com toda essa assassina
fúria de macho?
que busco eu
em fogo
aqui embaixo?
senão colher com a repentina
mão do delírio
uma outra flor: a do sorriso
que no alto o teu rosto ilumina?"
Ferreira Gullar
terça-feira, 25 de março de 2008
A Carlos Drummond de Andrade
João Cabral de Melo Neto
Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.
Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.
Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.
Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.
Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.
Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.
Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.
Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.
Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.
Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.
quarta-feira, 19 de março de 2008
Inatingível
O que sou eu, gritei um dia para o infinito
E o meu grito subiu, subiu sempre
Até se diluir na distância.
Um pássaro no alto planou vôo
E mergulhou no espaço.
Eu segui porque tinha que seguir
Com as mãos na boca, em concha
Gritando para o infinito a minha dúvida.
Mas a noite espiava a minha dúvida
E eu me deitei à beira do caminho
Vendo o vulto dos outros que passavam
Na esperança da aurora.
Eu continuo à beira do caminho
Vendo a luz do infinito
Que responde ao peregrino a imensa dúvida.
Eu estou moribundo à beira do caminho.
O dia já passou milhões de vezes
E se aproxima a noite do desfecho.
Morrerei gritando a minha ânsia
Clamando a crueldade do infinito
E os pássaros cantarão quando o dia chegar
E eu já hei de estar morto à beira do caminho.
Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro, 1933
in O caminho para a distância
in Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"
E o meu grito subiu, subiu sempre
Até se diluir na distância.
Um pássaro no alto planou vôo
E mergulhou no espaço.
Eu segui porque tinha que seguir
Com as mãos na boca, em concha
Gritando para o infinito a minha dúvida.
Mas a noite espiava a minha dúvida
E eu me deitei à beira do caminho
Vendo o vulto dos outros que passavam
Na esperança da aurora.
Eu continuo à beira do caminho
Vendo a luz do infinito
Que responde ao peregrino a imensa dúvida.
Eu estou moribundo à beira do caminho.
O dia já passou milhões de vezes
E se aproxima a noite do desfecho.
Morrerei gritando a minha ânsia
Clamando a crueldade do infinito
E os pássaros cantarão quando o dia chegar
E eu já hei de estar morto à beira do caminho.
Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro, 1933
in O caminho para a distância
in Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"
14 de março - Dia da Poesia!
Em comemoração pelo Dia da Poesia, deixo aqui um belo poema de Mário Quintana, com votos de que a vida de todos tenha muito mais poesia.
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
Mário Quintana
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
Mário Quintana
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!
Neruda em voz e poesia
A inquietação de Quintana e de todos nós.
Sentimento
O que é isso que nos atravessa a todos,
Solapando certezas, varrendo verdades?
Que nome tem isso que pulsa em nós,
Que grita, esperneia e sacode?
Angústia, dizem alguns
Outros, preferem chamar de loucura
E até mesmo de paixão.
Não importa o nome que usemos
Isso que semeia dúvidas
E colhe possibilidades
É, antes de tudo, SENTIMENTO
Sentimento que avassala
Perturba
Enfraquece para potencializar
Sentimento que conjuga
dor e alegria
Saudade e presença
Conquista e frustração
Esperança e desespero
Num jogo infindo de palavras e afetos.
O que é isso senão apenas isso?
Esse sem-nome angustiante, louco e apaixonado.
Esse indefinível e indecifrável,
que só sabe quem sente (e sentir é saber).
O que é isso que sentimos agora?
Ora, a pergunta é em si resposta: SENTIMENTO.
Bia Loivos.
Solapando certezas, varrendo verdades?
Que nome tem isso que pulsa em nós,
Que grita, esperneia e sacode?
Angústia, dizem alguns
Outros, preferem chamar de loucura
E até mesmo de paixão.
Não importa o nome que usemos
Isso que semeia dúvidas
E colhe possibilidades
É, antes de tudo, SENTIMENTO
Sentimento que avassala
Perturba
Enfraquece para potencializar
Sentimento que conjuga
dor e alegria
Saudade e presença
Conquista e frustração
Esperança e desespero
Num jogo infindo de palavras e afetos.
O que é isso senão apenas isso?
Esse sem-nome angustiante, louco e apaixonado.
Esse indefinível e indecifrável,
que só sabe quem sente (e sentir é saber).
O que é isso que sentimos agora?
Ora, a pergunta é em si resposta: SENTIMENTO.
Bia Loivos.
Procurando por mim
Sou as músicas que ouço, os livros que leio, as aulas que já freqüentei.
Estou nas conversas que tenho com amigos, nas fotografias de família, nos documentos escolares, nas cartas que escrevo e não mando, nos poemas que coleciono, nos papéis de um cartório de cidade pequena.
Sou o projeto dos meus pais, a sua expectativa, e sou também o meu próprio projeto. Sou produto dos ditos e não-ditos da minha casa, e falo de mim, e produzo a mim mesma.
Sou muitas vozes, olhares e saberes. Sou alguém (ou algo?) que nem sei que sou...
Sou uma pergunta que faço a mim mesma e também o silêncio subseqüente a ela.
Sou mulher, sou filha, sou amiga, sou psicóloga, sou irmã, neta, sobrinha, prima, namorada...
Posso me definir de múltiplas formas sem que, no entanto, nenhuma delas contenha a minha multi-singularidade. Porque não há completude em mim nem fora de mim.
Bia Loivos.
Estou nas conversas que tenho com amigos, nas fotografias de família, nos documentos escolares, nas cartas que escrevo e não mando, nos poemas que coleciono, nos papéis de um cartório de cidade pequena.
Sou o projeto dos meus pais, a sua expectativa, e sou também o meu próprio projeto. Sou produto dos ditos e não-ditos da minha casa, e falo de mim, e produzo a mim mesma.
Sou muitas vozes, olhares e saberes. Sou alguém (ou algo?) que nem sei que sou...
Sou uma pergunta que faço a mim mesma e também o silêncio subseqüente a ela.
Sou mulher, sou filha, sou amiga, sou psicóloga, sou irmã, neta, sobrinha, prima, namorada...
Posso me definir de múltiplas formas sem que, no entanto, nenhuma delas contenha a minha multi-singularidade. Porque não há completude em mim nem fora de mim.
Bia Loivos.
Sobre Adriana, Ferreira Gullar e o Gatinho
O poema que você lerá a seguir é de Ferreira Gullar. Ele foi musicado pela Adriana Calcanhotto, e está no seu DVD Adriana Partimpim. Vale a pena assistir ao DVD por sua leveza e suavidade. Na verdade, sempre achei sua voz linda, doce, sutil... Um sopro musical, capaz de revigorar a quem escuta com o coração! Mas falemos mais do poema.
Ele se chama Gato pensa? e faz parte de uma série de poemas sobre um gatinho chamado Gatinho!
Como a própria Adriana explica ao introduzir a música no show que deu origem ao DVD, ela e Ferreira Gullar já são parceiros há um bom tempo e ele mudou sua vida algumas vezes. Então, ele faz a letra e ela, a música. A sintonia é afinadíssima, como vocês poderão sentir se seguirem meu conselho.
Da parceria, saíram composições maravilhosas, por sua simplicidade e seu ar pueril (afinal, não esqueçamos de que se trata de um DVD para crianças).
Eu já gostava de Ferreira Gullar antes de saber de sua paixão pelos gatos. Agora, gosto ainda mais! Não que aprecie como ele os bichanos (meu negócio são mesmo os cães!), mas sabe que estou até mais aberta aos felinos depois de conhecê-los melhor, através do olhar do poeta?
Bom, continuando, Gatinho é o gato de Ferreira Gullar, a quem ele dedicou alguns poemas, que foram musicados por Adriana Calcanhotto, entre os quais, Gato pensa?
O que pretendo aqui é tentar comunicar um pouco do que senti ao ouvir a música. Mas creio ser um tanto inútil esta minha tentativa, pois sentimentos são algo muito peculiar. Apesar de podermos falar deles constantemente e de sermos entendidos pelos outros, sabemos que, no fundo, estamos sós com nosso sentimento. E, na relação com o poema e a música, acredito ser ainda mais complexa esta equação, pois cada um é tocado de um jeito, por coisas diferentes e em momentos distintos. Mas, creio, é aí que reside toda a beleza, pois, apesar disto, podemos sentir juntos, cantar e estar em comunhão, através da música e do poema. Enfim, um casamento perfeito!
Deixo vocês agora com o poema. Até a próxima.
Gato Pensa?
Adriana Calcanhotto/Ferreira Gullar
Dizem que gato não pensa
Mas é difícil de crer.
Já que ele também não fala
Como é que se vai saber?
A verdade é que o Gatinho,
Quando mija na almofada,
Vai depressa se esconder:
Sabe que fez coisa errada.
E se a comida está quente,
Ele, antes de comer,
Muito calculadamente,
Toca com a pata pra ver.
Só quando a temperatura
Da comida está normal,
Vem ele e come afinal.
E você pode explicar
Como é que ele sabia
Que ela ia esfriar?
Ele se chama Gato pensa? e faz parte de uma série de poemas sobre um gatinho chamado Gatinho!
Como a própria Adriana explica ao introduzir a música no show que deu origem ao DVD, ela e Ferreira Gullar já são parceiros há um bom tempo e ele mudou sua vida algumas vezes. Então, ele faz a letra e ela, a música. A sintonia é afinadíssima, como vocês poderão sentir se seguirem meu conselho.
Da parceria, saíram composições maravilhosas, por sua simplicidade e seu ar pueril (afinal, não esqueçamos de que se trata de um DVD para crianças).
Eu já gostava de Ferreira Gullar antes de saber de sua paixão pelos gatos. Agora, gosto ainda mais! Não que aprecie como ele os bichanos (meu negócio são mesmo os cães!), mas sabe que estou até mais aberta aos felinos depois de conhecê-los melhor, através do olhar do poeta?
Bom, continuando, Gatinho é o gato de Ferreira Gullar, a quem ele dedicou alguns poemas, que foram musicados por Adriana Calcanhotto, entre os quais, Gato pensa?
O que pretendo aqui é tentar comunicar um pouco do que senti ao ouvir a música. Mas creio ser um tanto inútil esta minha tentativa, pois sentimentos são algo muito peculiar. Apesar de podermos falar deles constantemente e de sermos entendidos pelos outros, sabemos que, no fundo, estamos sós com nosso sentimento. E, na relação com o poema e a música, acredito ser ainda mais complexa esta equação, pois cada um é tocado de um jeito, por coisas diferentes e em momentos distintos. Mas, creio, é aí que reside toda a beleza, pois, apesar disto, podemos sentir juntos, cantar e estar em comunhão, através da música e do poema. Enfim, um casamento perfeito!
Deixo vocês agora com o poema. Até a próxima.
Gato Pensa?
Adriana Calcanhotto/Ferreira Gullar
Dizem que gato não pensa
Mas é difícil de crer.
Já que ele também não fala
Como é que se vai saber?
A verdade é que o Gatinho,
Quando mija na almofada,
Vai depressa se esconder:
Sabe que fez coisa errada.
E se a comida está quente,
Ele, antes de comer,
Muito calculadamente,
Toca com a pata pra ver.
Só quando a temperatura
Da comida está normal,
Vem ele e come afinal.
E você pode explicar
Como é que ele sabia
Que ela ia esfriar?
Museu da Língua Portuguesa.
Depois de um tempinho afastada da internet, estou de volta à atividade aqui no blog.
Hoje quero falar da minha visita ao Museu da Língua Portuguesa, em maio de 2006. Como sabem, o museu fica na Estação da Luz, em São Paulo, bem de frente para a Pinacoteca do Estado.
Lá é tudo lindo, fascinante, surpreendente. Adorei ter estado naquele lugar mágico...
Na ocasião, tirei várias fotos, entre as quais selecionei algumas para compartilhar com vocês. Espero que gostem.
Quem tiver a oportunidade, visite o Museu da Língua Portuguesa. As sensações que se tem lá são indescritíveis e inesquecíveis também. Vale muito a pena. Fica aqui a minha dica cultural da semana, risos...
Em tempo: a foto que ilustra o meu primeiro texto aqui no blog também foi tirada lá no museu.
Um abraço aos meus leitores e até breve.
Bia Loivos.
"A linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e como a vida é uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente. Isso significa que como escritor devo me prestar contas de cada palavra e considerar cada palavra o tempo necessário até ela ser novamente vida. O idioma é a única porta para o infinito, mas infelizmente está oculto sob montanha de cinzas". João Guimarães Rosa, autor de Grande Sertão: Veredas.
No reino das palavras
Boa noite.
Este blog pretende ser o lugar das palavras. Ele nasceu para ser usado por elas, para se entregar a elas docilmente, como um escravo se deixa mandar por seu senhor.
Sou escrava das palavras. As palavras me possuem, não eu a elas. Fascinam-me com tal intensidade que a elas não canso de me entregar, sempre, em qualquer hora e lugar.
Desde que aceitei esta minha condição de instrumento, tem sido assim. Mas aconteceu algo estranho que talvez os não iniciados na arte de palavrar achem dificuldades para entender. Ao perder o controle de mim mesma, encontrei o sossego de minha alma no reino das palavras! Não tenho a mim mesma, mas estou sossegada.
Este blog pretende ser o lugar das palavras. Ele nasceu para ser usado por elas, para se entregar a elas docilmente, como um escravo se deixa mandar por seu senhor.
Sou escrava das palavras. As palavras me possuem, não eu a elas. Fascinam-me com tal intensidade que a elas não canso de me entregar, sempre, em qualquer hora e lugar.
Desde que aceitei esta minha condição de instrumento, tem sido assim. Mas aconteceu algo estranho que talvez os não iniciados na arte de palavrar achem dificuldades para entender. Ao perder o controle de mim mesma, encontrei o sossego de minha alma no reino das palavras! Não tenho a mim mesma, mas estou sossegada.
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