quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Alma Errada

Mário Quintana

Há coisas que a minha alma, já tão mortificada, não admite:
assistir novelas de TV
ouvir música Pop
um filme apenas de corridas de automóvel
uma corrida de automóvel num filme
um livro de páginas ligadas
porque, sendo bom, a gente abre sofregamente a dedo:
espátulas não há… e quem é que hoje faz questão de virgindades…
E quando minha alma estraçalhada a todo instante pelos telefones
fugir desesperada
me deixará aqui,
ouvindo o que todos ouvem, bebendo o que todos bebem,
comendo o que todos comem.
A estes, a falta de alma não incomoda.
(Desconfio até
que minha pobre alma fora destinada ao habitante de outro mundo)
E ligarei o rádio a todo o volume,
gritarei como um possesso nas partidas de futebol,
seguirei, irresistivelmente, o desfilar das grandes paradas do Exército.
E apenas sentirei, uma vez que outra,
a vaga nostalgia de não sei que mundo perdido…

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Cântico Negro


José Régio

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Todas as Vidas

Cora Coralina

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera
das obscuras!

***

Considero este um dos melhores poemas de Cora Coralina.

sábado, 22 de agosto de 2009

Mascarados

Cora Coralina

Saiu o Semeador a semear
Semeou o dia todo
e a noite o apanhou ainda
com as mãos cheias de sementes.
Ele semeava tranqüilo
sem pensar na colheita
porque muito tinha colhido
do que outros semearam.
Jovem, seja você esse semeador
Semeia com otimismo
Semeia com idealismo
as sementes vivas
da Paz e da Justiça.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Eu voltarei

Cora Coralina

Meu companheiro de vida será um homem corajoso de trabalho,
servidor do próximo,
honesto e simples, de pensamentos limpos.

Seremos padeiros e teremos padarias.
Muitos filhos à nossa volta.
Cada nascer de um filho
será marcado com o plantio de uma árvore simbólica.
A árvore de Paulo, a árvore de Manoel,
a árvore de Ruth, a árvorede Roseta.

Seremos alegres e estaremos sempre a cantar.
Nossas panificadoras terão feixes de trigo enfeitando suas portas,
teremos uma fazenda e um Horto Florestal.
Plantaremos o mogno, o jacarandá,
o pau-ferro, o pau-brasil, a aroeira, o cedro.
Plantarei árvores para as gerações futuras.

Meus filhos plantarão o trigo e o milho, e serão padeiros.
Terão moinhos e serrarias e panificadoras.
Deixarei no mundo uma vasta descendência de homens
e mulheres, ligados profundamente
ao trabalho e à terra que os ensinarei a amar.

E eu morrerei tranqüilamente dentro de um campo de trigo ou
milharal, ouvindo ao longe o cântico alegre dos ceifeiros.
Eu voltarei...
A pedra do meu túmulo
será enfeitada de espigas de trigo
e cereais quebrados
minha oferta póstuma às formigas
que têm suas casinhas subterra
e aos pássaros cantores
que têm seus ninhos nas altas e floridas
frondes.

Eu voltarei...

Aninha e suas pedras

Cora Coralina (outubro, 1981)


Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Antiguidades

Cora Coralina

Quando eu era menina
bem pequena,
em nossa casa,
certos dias da semana
se fazia um bolo,
assado na panela
com um testo de borralho em cima.

Era um bolo econômico,
como tudo, antigamente.
Pesado, grosso, pastoso.
(Por sinal que muito ruim.)

Eu era menina em crescimento.
Gulosa,
abria os olhos para aquele bolo
que me parecia tão bom
e tão gostoso.

A gente mandona lá de casa
cortava aquele bolo
com importância.
Com atenção. Seriamente.
Eu presente.
Com vontade de comer o bolo todo.

Era só olhos e boca e desejo
daquele bolo inteiro.
Minha irmã mais velha
governava. Regrava.
Me dava uma fatia,
tão fina, tão delgada...
E fatias iguais às outras manas.
E que ninguém pedisse mais !
E o bolo inteiro,
quase intangível,
se guardava bem guardado,
com cuidado,
num armário, alto, fechado,
impossível.

Era aquilo, uma coisa de respeito.
Não pra ser comido
assim, sem mais nem menos.
Destinava-se às visitas da noite,
certas ou imprevistas.
Detestadas da meninada.

Criança, no meu tempo de criança,
não valia mesmo nada.
A gente grande da casa
usava e abusava
de pretensos direitos
de educação.

Por dá-cá-aquela-palha,
ralhos e beliscão.
Palmatória e chineladas
não faltavam.
Quando não,
sentada no canto de castigo
fazendo trancinhas,
amarrando abrolhos.
"Tomando propósito".
Expressão muito corrente e pedagógica.

Aquela gente antiga,
passadiça, era assim:
severa, ralhadeira.

Não poupava as crianças.
Mas, as visitas...
- Valha-me Deus !...
As visitas...
Como eram queridas,
recebidas, estimadas,
conceituadas, agradadas !

Era gente superenjoada.
Solene, empertigada.
De velhas conversas
que davam sono.
Antiguidades...

Até os nomes, que não se percam:
D. Aninha com Seu Quinquim.
D. Milécia, sempre às voltas
com receitas de bolo, assuntos
de licores e pudins.
D. Benedita com sua filha Lili.
D. Benedita - alta, magrinha.
Lili - baixota, gordinha.
Puxava de uma perna e fazia crochê.
E, diziam dela línguas viperinas:
"- Lili é a bengala de D. Benedita".
Mestre Quina, D. Luisalves,
Saninha de Bili, Sá Mônica.
Gente do Cônego, Padre Pio.

D. Joaquina Amâncio...
Dessa então me lembro bem.
Era amiga do peito de minha bisavó.
Aparecia em nossa casa
quando o relógio dos frades
tinha já marcado 9 horas
e a corneta do quartel, tocado silêncio.
E só se ia quando o galo cantava.

O pessoal da casa,
como era de bom-tom,
se revezava fazendo sala.
Rendidos de sono, davam o fora.
No fim, só ficava mesmo, firme,
minha bisavó.

D. Joaquina era uma velha
grossa, rombuda, aparatosa.
Esquisita.
Demorona.
Cega de um olho.
Gostava de flores e de vestido novo.
Tinha seu dinheiro de contado.
Grossas contas de ouro
no pescoço.

Anéis pelos dedos.
Bichas nas orelhas.
Pitava na palha.
Cheirava rapé.
E era de Paracatu.
O sobrinho que a acompanhava,
enquanto a tia conversava
contando "causos" infindáveis,
dormia estirado
no banco da varanda.
Eu fazia força de ficar acordada
esperando a descida certa
do bolo
encerrado no armário alto.
E quando este aparecia,
vencida pelo sono já dormia.
E sonhava com o imenso armário
cheio de grandes bolos
ao meu alcance.

De manhã cedo
quando acordava,
estremunhada,
com a boca amarga,
- ai de mim -
via com tristeza,
sobre a mesa:
xícaras sujas de café,
pontas queimadas de cigarro.
O prato vazio, onde esteve o bolo,
e um cheiro enjoado de rapé.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Agosto - mês de Cora Coralina

Cora Coralina (Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas), 20/08/1889 — 10/04/1985, é a grande poetisa do Estado de Goiás. Em 1903 já escrevia poemas sobre seu cotidiano, tendo criado, juntamente com duas amigas, em 1908, o jornal de poemas femininos "A Rosa". Em 1910, seu primeiro conto, "Tragédia na Roça", é publicado no "Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás", já com o pseudônimo de Cora Coralina. Em 1911 conhece o advogado divorciado Cantídio Tolentino Brêtas, com quem foge.
Vai para Jaboticabal (SP), onde nascem seus seis filhos: Paraguaçu, Enéias, Cantídio, Jacintha, Ísis e Vicência. Seu marido a proíbe de integrar-se à Semana de Arte Moderna, a convite de Monteiro Lobato, em 1922. Em 1928 muda-se para São Paulo (SP). Em 1934, torna-se vendedora de livros da editora José Olimpio que, em 1965, lança seu primeiro livro, "O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais".
Em 1976, é lançado "Meu Livro de Cordel", pela editora Cultura Goiana. Em 1980, Carlos Drummond de Andrade, como era de seu feitio, após ler alguns escritos da autora, manda-lhe uma carta elogiando seu trabalho, a qual, ao ser divulgada, desperta o interesse do público leitor e a faz ficar conhecida em todo o Brasil. Sintam a admiração do poeta, manifestada em carta dirigida a Cora em 1983:
"Minha querida amiga Cora Coralina: Seu "Vintém de Cobre" é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia ( ...)."
Editado pela Universidade Federal de Goiás, em 1983, seu novo livro "Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha", é muito bem recebido pela crítica e pelos amantes da poesia. Em 1984, torna-se a primeira mulher a receber o Prêmio Juca Pato, como intelectual do ano de 1983. Viveu 96 anos, teve seis filhos, quinze netos e 19 bisnetos, foi doceira e membro efetivo de diversas entidades culturais, tendo recebido o título de doutora "Honoris Causa" pela Universidade Federal de Goiás.
No dia 10 de abril de 1985, falece em Goiânia. Seu corpo é velado na Igreja do Rosário, ao lado da Casa Velha da Ponte. "Estórias da Casa Velha da Ponte" é lançado pela Global Editora. Postumamente, foram lançados os livros infantis "Os Meninos Verdes", em 1986, e "A Moeda de Ouro que um Pato Comeu", em 1997, e "O Tesouro da Casa Velha da Ponte", em 1989.
Texto extraído do site releituras.
***
Assim eu vejo a vida
Cora Coralina

A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Antes que o dia termine…

Prometi que voltava ontem com um poema de Mia Couto, mas furei. Antes que o dia termine e passe o mês de julho, vim reparar minha falta. Longe de mim ficar em dívida com a poesia, ainda mais com a de Mia Couto, a quem eu estou aprendendo a admirar, pelo pouco que dele conheço. Vou postar aqui uma das primeiras poesias que li do poeta moçambicano:

Poema da despedida

Não saberei nunca

dizer adeus

Afinal,

só os mortos sabem morrer

Resta ainda tudo,

só nós não podemos ser

Talvez o amor,

neste tempo,

seja ainda cedo

Não é este sossego

que eu queria,

este exílio de tudo,

esta solidão de todos

Agora

não resta de mim

o que seja meu

e quando tento

o magro invento de um sonho

todo o inferno me vem à boca

Nenhuma palavra

alcança o mundo, eu sei

Ainda assim,

escrevo

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Julho: Neruda e Mia Couto

Antes que o mês de julho termine, devo reparar minha ausência do blog publicando poesias dos dois autores homenageados do mês: Pablo Neruda, que eu descobri que é o pseudônimo de Neftalí Reyes, e Mia Couto, este poeta moçambicano cuja poesia e pensamentos estou descobrindo.

Mais sobre eles aqui (Neruda) e aqui (Mia Couto).

Vamos à poesia!

15

Pablo Neruda

ME gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.

Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.

Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
déjame que me calle con el silencio tuyo.

Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.

Do Livro: Veinte poemas de amor y una canción desesperada.


Amanhã eu volto com um poema de Mia Couto. Até lá.

domingo, 28 de junho de 2009

Este é o Prólogo

Federico García Lorca

Deixaria neste livro
toda a minha alma.
este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que pena dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam !

Que tristeza tão funda
é olhar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta !

Ver passar os espectros
de vida que se apagam,
ver o homem desnudo
em Pégaso sem asas,

ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se olham e se abraçam.

Um livro de poesias
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes incute nos peitos
- entranháveis distâncias.

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chamas.

Sabe que as veredas
são todas impossíveis,
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristes
e eternas caravanas

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia é amargura,
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia é o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
corações e chamas.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
sem rumo a nossa barca.

Livros doces de versos
sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
suas estrofes de prata.

Oh ! que penas tão fundas
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam !

Deixaria neste livro
toda a minha alma...

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Junho – mês de Federico García Lorca

Neste mês, o Brusca Poesia presta homengem ao poeta espanhol que era “mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver”:

Federico García Lorca nasceu em Fuentevaqueros, na região de Granada, Espanha, em 05 de junho de 1898, e faleceu nos arredores de Granada no dia 19 de agosto de 1936.

Ingressou na faculdade de Direito de Granada em 1914, transferindo-se em 1919 para Madrid, onde conheceu e ficou amigo de artistas como o cineasta Luis Buñuel e o grande mestre do Surrealismo, Salvador Dalí.

Salvador_Dali_Jose_Moreno_Villa_Luis_Bunuel_Federico_Garcia_Lorca_Jose_Antonio

foto: Salvador Dalí, Jose Moreno, Villa Luis, Buñuel, García Lorca e Jose Antonio

[O filme Little Ashes explora a intensa amizade entre Dalí, Lorca e o cineasta Luis Buñuel. Rodado principalmente em Barcelona com um orçamento de cerca de 2 milhões de euros, mostrará como a relação entre o pintor e o poeta começou como "uma amizade" que com o tempo se tornou "mais íntima" e "progride para um nível físico", explicou a roteirista Philippa Goslett. ]

Depois de concluir os estudos na Espanha, foi para os Estados Unidos, como estudante da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, onde também proferiu várias conferências. Após, segui para Cuba. Esse período ficou marcado a sua fase de poemas surrealistas, reunidos na obra “Poeta en Nuova Iork”, onde manifestou o seu desprezo pelo chamado “American Way Of Life”, o modus vivendi estadunidense que o chocou com a brutalidade da civilização mecanizada, desumana e geradora de injustiças sociais.

Ao voltar para a Espanha, García Lorca criou o grupo de teatro chamado La Barraca. Em suas montagens o poeta não ocultava seus ideais socialistas. Visto com fortes tendências homossexuais, começou a sofrer pereseguições pelo conservadorismo espanhol, que já vinha ensaiando a tomada do poder, que daria início a uma das mais sangrentas guerras fatricidas do século XX.

Após a explosão da Guerra Civil Espanhola, Lorca foi forçado a deixar Madrid e retornar para Granada, na esperança de encontrar um refúgio. Visto como inimigo natural do regime autoritário, por ser um intelectual de vanguarda, homossexual, numa Espanha católica, vítima de uma denúncia de sua própria irmã, perante a ameaça das autoridades de prender ou executar de imediato o seu pai, teve sua prisão decretada por um deputado católico sob o argumento que tornou-se célebre de que ele seria “mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver”. Na madrugada de 18 de agosto, sem nenhum julgamento, o poeta foi executado pelos franquistas com um tiro na nuca, tendo o seu corpo jogado num ponto de Serra Nevada.

Avesso à violência, o poeta, como homossexual que era, sabia muito bem o quanto era doloroso sentir-se ameaçado e perseguido. Nessa época, suas peças teatrais "A casa de Bernarda Alba", "Yerma", "Bodas de sangue", "Dona Rosita, a solteira" e outras, eram encenadas com sucesso.

As seis cordas

Federico García Lorca

A guitarra
faz soluçar os sonhos.
O soluço das almas
perdidas
foge por sua boca
redonda.
E, assim como a tarântula,
tece uma grande estrela
para caçar suspiros
que bóiam no seu negro
abismo de madeira.


Dos sites: www.releituras.com; www.umanoitenataverna.blogspot.com

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Última Página

Manuel Alegre

Vou deixar este livro. Adeus.

Aqui morei nas ruas infinitas.

Adeus meu bairro página branca

onde morri onde nasci algumas vezes.

Adeus palavras comboios

adeus navio. De ti povo

não me despeço. Vou contigo.

Adeus meu bairro versos ventos.

Não voltarei a Nambuangongo

onde tu meu amor não viste nada. Adeus

camaradas dos campos de batalha.

Parto sem ti Pedro Soldado.

Tu Rapariga do País de Abril

tu vens comigo. Não te esqueças

da primavera. Vamos soltar

a primavera no País de Abril.

Livro: meu suor meu sangue

aqui te deixo no cimo da pátria

Meto a viola debaixo do braço e viro a página.

Adeus.

Fim

Mário de Sá-Carneiro

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos berros e aos pinotes —
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas.
Que meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza:
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro...
(Paris, 1916)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Intermitências

Bia Loivos

In

in-ter

in-ter-mi

in-ter

in-ter-mi-ten

in

in-ter-

in-ter-mi-

ten-te.

in-ter-mi-ten-te.

Chuva de vento

Bia Loivos

c c c c c c c c c c c c c c c c c c c

h h h h h h h h h h h h h h h h h

u u u u u u u u u u u u u u u u u

u u u u u u u u u u u u u u u u u

u u u u u u u u u u u u u u u u u

u u u u u u u u u u u u u u u u u

v v v v v v v v v v v v v v v v v

v v v v v v v v v v v v v v v v v

a a a a a a a a a a a a a a a a a

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Poema Concreto

Bia Loivos

tijolo pedra
pá pedreiro prego:
prédio
presídio
prisão.
Fraco de fome
Cimentando a dor
bóia-fria, trabalhador.

Rotina

Bia Loivos


Noite Dia Noite Dia
Noite Dia
Noite.

Dia Noite
Dia Noite
Dia e.

Tudo se repete,
mas HOJE é tudo diferente.



Foto: zezinhomota.blogs.sapo.pt

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Quase

Mário de Sá-Carneiro

Um pouco mais de sol — eu era brasa.
Um pouco mais de azul — eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d'espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho — ó dor! — quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim — quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
— Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... —
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Coisa amar

Manuel Alegre

Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te logamente como doi

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

domingo, 3 de maio de 2009

Maio: mês de Mário de Sá-Carneiro e Manuel Alegre

mario-sa-carneiroman_alegre

Em maio, o blog presta homenagem, não a um, mas a dois poetas. Assim, resolvo a dificuldade da escolha e fico em paz com a consciência e com a poesia!

Pois bem. É hora de apresentar nossos homenageados e dizer o porquê desta escolha. Tentarei fazer isso intercalando informações ora sobre Mário de Sá-Carneiro, ora sobre Manuel Alegre. Este texto, porém, não pretende ser uma descrição pormenorizada da vida dos poetas (abaixo darei indicações de onde as encontrar), mas um comentário mais geral de alguns pontos selecionados em que, ora suas biografias se aproximam, ora se afastam. Mas antes, deixem-me explicar por que Sá-Carneiro e Manuel Alegre.

Conheci a obra de Mário de Sá-Carneiro através da cantora Adriana Calcanhotto. Parece estranho, mas foi exatamente assim: o cd Público, já citado aqui no blog, traz um poema do escritor musicado pela cantora brasileira. Talvez muitos aqui também conheçam a canção “O Outro”, que diz assim: “Eu não sou eu/ nem sou o Outro/Sou qualquer coisa de intermédio/pilar da fonte de tédio/que vai de mim para o outro”. Esses versos traduzem bem a tônica da poesia de Sá-Carneiro: uma busca angustiante por definir a si e ao seu mundo. Depois disso, instigada pela música, procurei e conheci outros poemas, além de ter lido também a novela A confissão de Lúcio, que, sem querer, encontrei na casa da minha avó, entre as coisas da prima Anabelle.

E por falar nela, foi também Anabelle quem me apresentou ao poeta e político português Manuel Alegre, através do livro Cão como Nós, aliás, leitura belíssima e muito prazerosa. Agora que expliquei brevemente os motivos da dupla homenagem, já posso continuar.

Dizia eu que, ao lermos a biografia de cada um, podemos identificar semelhanças e diferenças. Entre os fatores que os aproximam, podemos citar a nacionalidade portuguesa e a inseparabilidade da vida e da poesia. A respeito da última, Alegre, em um texto autobiográfico do site que leva o seu nome, escreve: “Escrita e vida são inseparáveis. Embora eu entenda a poesia como experiência mágica, algo que está aquém e além da literatura.” Se a escrita é inseparável da vida do poeta, a poesia de Mário de Sá-Carneiro é um ótimo exemplo desta ligação. Basta analisarmos seus poemas e logo somos levados a reconhecer ali a confusão mental e a angústia dilacerante que levariam o jovem poeta ao suicídio aos 26 anos de idade.

Temos na morte outra possibilidade de aproximação entre os dois poetas. Manuel Alegre, vivo e atuante no cenário político português atual, tendo sido candidato à Presidência em 2005, não esconde sua angústia da morte ao revelar: “Tenho desde pequeno a obsessão da morte. Não o medo, mas a consciência aguda e permanente, sentida e vivida com todo o meu ser, de que tudo é transitório e efémero e não há outra eternidade senão a do momento que passa”. Mas, se a consciência da morte se faz presente, não tem como efeito diminuir as forças do poeta e o seu desejo de viver. Ao contrário, Alegre deixa claro que nunca viveu postumamente e que não procurou se construir por meio da literatura, na qual nem sequer acredita. Mas, “na poesia, sim”.

Temos aqui uma comparação paradoxal, pois, se é verdade que a obsessão da morte aproxima a vida dos dois escritores, a forma como cada um viveu esta obsessão revela diferenças fundamentais: Sá-Carneiro resolve o sofrimento através do suicídio; Alegre, através da própria vida.

Há muitas informações interessantes sobre a vida de ambos os poetas, e recomendo que vocês não desprezem tal leitura. Meu texto teve a intenção de despertar a curiosidade e indicar-lhes o caminho. Assim, os links abaixo são dos sites que serviram de fonte de consulta para mim e que podem ajudar a esclarecer os pontos que não abordei aqui, a quem tiver interesse de conhecer um pouco melhor. Boa leitura e até a próxima!

Bia Loivos.

http://www.manuelalegre.com/index.php?area=1500

http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet070.htm

http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/alegre.html

http://www.astormentas.com/carneiro.htm

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Poemas aos homens do nosso tempo

Hilda Hilst

IV
A Frederico Garcia Lorca

Companheiro, morto desassombrado, rosácea ensolarada
Quem senão eu, te cantará primeiro. Quem senão eu
Pontilhada de chagas, eu que tanto te amei, eu
Que bebi na tua boca a fúria de umas águas
Eu, que mastiguei tuas conquistas e que depois chorei
Porque dizias: “amor de mis entrañas, viva muerte”.
Ah, se soubesses como ficou difícil a Poesia.Triste garganta o nosso tempo, TRISTE TRISTE.
E mais um tempo, nem será lícito ao poeta ter memória
E cantar de repente: “os arados van e vên
desde a Santiago a Belén”.
Os cardos, companheiro, a aspereza, o luto
A tua morte outra vez, a nossa morte, assim o mundo:
Deglutindo a palavra cada vez e cada vez mais fundo.
Que dor de te saber tão morto. Alguns dirão:
Mas está vivo, não vês? Está vivo! Se todos o celebram
Se tu cantas! ESTÁS MORTO. Sabes por quê?
“El passado se pone
su coraza de hierro
y tapa sus oídos
con algodón del viento.
Nunca podrá arrancársele
un secreto.”
E o futuro é de sangue, de aço, de vaidade. E vermelhos
Azuis, brancos e amarelos hão de gritar: morte aos poetas!
Morte a todos aqueles de lúcidas artérias, tatuados
De infância, o plexo aberto, exposto aos lobos. Irmão.
Companheiro. Que dor de te saber tão morto.

Hilda Hilst é maravilhosa. Mas este poema, em especial, me emocionou demais. Quanta beleza, quanto amor e admiração se podem sentir nesses versos a Garcia Lorca!

Amavisse (Contra-capa)

Hilda Hilst

O escritor e seus múltiplos vem vos dizer adeus.
Tentou na palavra o extremo-tudo
E esboçou-se santo, prostituto e corifeu. A infância
Foi velada: obscura na teia da poesia e da loucura.
A juventude apenas uma lauda de lascívia, de frêmito
Tempo-Nada na página.
Depois, transgressor metalescente de percursos
Colou-se à compaixão, abismos e à sua própria sombra.
Poupem-no o desperdício de explicar o ato de brincar.
A dádiva de antes (a obra) excedeu-se no luxo.
O Caderno Rosa é apenas resíduo de um "Potlatch".
E hoje, repetindo Bataille:
"Sinto-me livre para fracassar".

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio

Hilda Hilst

III
A minha Casa é guardiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência
E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.
A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?

VI
Três luas, Dionísio, não te vejo.
Três luas percorro a Casa, a minha,
E entre o pátio e a figueira
Converso e passeio com meus cães
E fingindo altivez digo à minha estrela
Essa que é inteira prata, dez mil sóis
Sirius pressaga
Que Ariana pode estar sozinha
Sem Dionísio, sem riqueza ou fama
Porque há dentro dela um sol maior:
Amor que se alimenta de uma chama
Movediça e lunada, mais luzente e alta
Quando tu, Dionísio, não estás.

In: hildahilst.com.br

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Curiosidades


Que curiosa é a vida. Justo agora, que estou num momento tão musical, resolvi homenagear Hilda Hilst e descobri que a poetisa, em parceria com Zeca Baleiro, lançou um cd, com poemas dela musicados por ele. Incrível!

A iniciativa foi de Hilda, após ouvir um cd do artista, enviado a ela pelo própio Zeca. Conta-se que remeteu ao músico um disquete com seus poemas e propôs a parceria, que virou o disco Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé - De Ariana para Dionísio, primeiro capítulo do livro Júbilo Memória Noviciado da Paixão, de Hilst.

O disco conta com a participação de várias cantoras e, segundo o que andei pesquisando, o resultado é de uma sonoridade muito gostosa.

Ainda não ouvi o cd, mas estou encantada com a novidade e curiosa para conhecer essa mistura. Parece mesmo a cara do Zeca, que gosta é de embolar as coisas, misturá-las. Parece mesmo a cara de Hilda, que sempre foi considerada uma mulher à frente de seu tempo, ousada, que descontrói padrões e preconceitos.

Vamos à poesia:

I
É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora
E sozinha supor
Que se estivesses dentro
Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora
Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.


II
Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu
Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.



Continua...
Foto: originalmente em uol.com.br

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Abril - mês de Hilda Hilst



Paulistana de Jaú, nascida no dia 21 de abril de 1930 e falecida a 4 de fevereiro de 2004, Hilda Hilst é reconhecida, quase pela unanimidade da crítica brasileira, como uma das nossas principais autoras, sendo consideradas uma das mais importantes vozes da Língua Portuguesa do século XX. Segundo o crítico Anatol Rosenfeld, “Hilda pertence ao raro grupo de artistas que conseguiu qualidade excepcional em todos os gêneros literários que se propôs - poesia, teatro e ficção”.


Distinguida por vários de nossos mais significativos prêmios literários, presente em numerosas antologias de poesia e ficção, tanto nacionais como estrangeiras, há muito seu nome está incluído nos dicionários de autores brasileiros contemporâneos.De temperamento transgressor, prezando a liberdade, dona de uma rara beleza e coragem, culta e poeta, Hilda teve uma personalidade marcante e sedutora que ia de encontro aos costumes tradicionais vigentes nos anos 50, criando-se um folclore ao seu redor que, segundo alguns críticos, até chegou a ofuscar a importância de sua obra.


Seu trabalho vem sendo tema de teses universitárias em nível de pós graduação e merecido traduções para o francês, inglês, espanhol, alemão e italiano, atraindo a atenção da crítica internacional, que já lhe dedicou artigos no Le Monde, L’infint, Libération, The Antigonish Review, Pleine Marge, entre outros.



Criadora de textos magníficos, onde Atemporalidade, Real e Imaginário se fundem e os personagens mergulham no intenso questionamento dos significados, buscando compreensão, resgate da raiz, encontro do essencial, Hilda retrata sem cessar nossa limitada/ilimitada, frágil e surpreendente condição humana. Segundo o crítico literário Léo Gilson Ribeiro, a ficção de Hilda Hilst “submerge o leitor num mundo intrépido de terror e tremor, de beleza indescritível e de uma fascinante prospecção filosófica sobre o Tempo, a Morte, o Amor, o Horror, a Busca”.


A abrangência de linguagem conseguida por Hilda Hilst, capaz de abarcar o coloquial mais chulo e a poesia mais intensa, alia-se à complexidade do Universo da autora, tornando-a uma das mais importantes vozes para descrever, com profunda e comovente fidelidade, a solidão, perplexidade e grandeza do Homem diante do Mundo.

Adaptado de J.L. MORA FUENTES para o Portal Cultural Hilda Hilst.


Vale a pena conhecer.

domingo, 5 de abril de 2009

Esquadros

Hoje deu vontade de ouvir o Público, de Adriana Calcanhotto.
Hoje, a letra de Esquadros me tocou de forma particular. Talvez pelo tom nostálgico, que muito me afeta, e certamente pela possibilidade de termos apenas um remoto controle das coisas da vida, do tempo, das pessoas que correm e escorrem de nós...

Então, hoje, minha homenagem à poesia nossa de cada dia e de cada música se fará através desta composição.


Esquadros

Adriana Calcanhotto


Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome

cores de Almodóvar

cores de Frida Kahlo, cores

passeio pelo escuro

eu presto muita atenção no que meu irmão ouve

e como uma segunda pele, um calo, uma casca,uma cápsula protetora

eu quero chegar antes

pra sinalizar o estar de cada coisa

filtrar seus graus

Eu ando pelo mundo divertindo gente

chorando ao telefone

e vendo doer a fome nos meninos que têm fome

Pela janela do quarto

pela janela do carro

pela tela, pela janela

(quem é ela, quem é ela?)

eu vejo tudo enquadrado

remoto controle

Eu ando pelo mundo

e os automóveis correm para quê?

as crianças correm para onde?

transito entre dois lados de um lado eu gosto de opostos

exponho o meu modo, me mostro

eu canto para quem?

Pela janela do quarto

pela janela do carro

pela tela, pela janela

(quem é ela, quem é ela? )

eu vejo tudo enquadrado

remoto controle

Eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?

minha alegria, meu cansaço?

meu amor cadê você?

eu acordei

não tem ninguém ao lado

Pela janela do quarto

pela janela do carro

pela tela, pela janela

(quem é ela, quem é ela?)

eu vejo tudo enquadrado

remoto controle

segunda-feira, 30 de março de 2009

30 de março - dia de Thiago de Mello


Hoje, 30 de março, é aniversário de 83 anos de Thiago de Mello, e o Brusca Poesia homenageia o poeta.

Amazonense de Barreirinha, Thiago de Mello apresenta-se ao cenário cultural e literário brasileiro com o livro Silêncio e Palavra, em 1951, pelo qual recebe vigorosas homenagens.

Depois viriam Faz Escuro, mas eu Canto; A Canção do Amor Armado; Horóscopo para os que estão vivos, Poesia Comprometida com a minha e a tua Vida; Mormaço na Floresta; Num Campo de Margaridas.

"O poeta e o partisan eram uma só pessoa, dedicada sem medir esforços ou riscos à luta pela emancipação do homem, tanto dos grilhões que injustas estruturas do poder econômico-político lhe impõem quanto das limitações com que individualismo, ignorância ou timidez lhe tolhem os passos."

Preso e exilado no período da ditadura militar, não se deixou abater. Ao contrário, essa experiências enriqueceram ainda mais sua produção posterior.

"No livro mais recentemente publicado, De Uma Vez Por Todas, todas as linhas marcantes de sua poesia, o lirismo, a sensibilidade humana, a alegria de viver, a luta contra a opressão, o amor constante à Amazônia natal se reúnem harmonicamente, num tecido de rara força e beleza. O poeta não escreve seus poemas apenas em busca de elegância formal: neles se joga por inteiro, coração, cabeça e sentimento, e isso lhes dá autenticidade e força interior."


Ninguém de habita

Thiago de Mello


Ninguém me habita.A não ser

o milagre da matéria

que me faz capaz de amor,

e o mistério da memória

que urde o tempo em meus neurônios,

para que eu, vivendo agora,

possa me rever no outrora.

Ninguém me habita. Sozinho

resvalo pelos declives

onde me esperam, me chamam

(meu ser me diz se as atendo)

feiúras que me fascinam,

belezas que me endoidecem.


Fonte: Jornal de Poesia.

sábado, 21 de março de 2009

Mulher e Gata


Paul Verlaine

Ela brincava com a gata
E era admirável ver as duas,
A branca mão e a branca pata,
Brincando à noite, na penumbra.
Ela escondia - a celerada ! -
Sob as mitenes de fio escuro
As assassinas unhas de ágata,
Claras, cortantes, como um gume.
Fingia-se a outra adoçada
E retraía a garra afiada,
Mas o diabo nada perdia...
E no toucador retinia
O som de aéreas gargalhadas
E quatro pontos fosforesciam.
Imagem: Mulher com um gato. Renoir. Óleo sobre tela, 1875.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Arte Poética




Paul Verlaine

(a Charles Morice)

Antes de qualquer coisa, música
e, para isso, prefere o Ímpar
mais vago e mais solúvel no ar,
sem nada que pese ou que pouse.
E preciso também que não vás nunca
escolher tuas palavras em ambiguidade:
nada mais caro que a canção cinzenta
onde o Indeciso se junta ao Preciso.
São belos olhos atrás dos véus,
é o grande dia trêmulo de meio-dia,
é, através do céu morno de outono,
o azul desordenado das claras estrelas!
Porque nós ainda queremos o Matiz,
nada de Cor, nada a não ser o matiz!
Oh! O matiz único que liga
o sonho ao sonho e a flauta à trompa.
Foge para longe da Piada assassina,
do Espírito cruel e do Riso impuro
que fazem chorar os olhos do Azul
e todo esse alho de baixa cozinha!
Toma a eloquência e torce-lhe o pescoço!
Tu farás bem, já que começaste,
em tornar a rima um pouco razoável.
Se não a vigiarmos, até onde ela irá?
Oh! Quem dirá os malefícios da Rima?
Que criança surda ou que negro louco
nos forjou esta joia barata
que soa oca e falsa sob a lima?
Ainda e sempre, música!
Que teu verso seja um bom acontecimento
esparso no vento crispado da manhã
que vai florindo a hortelã e o timo...
E tudo o mais é só literatura.

domingo, 15 de março de 2009

A uma mulher

Paul Verlaine

Para vós são estes versos, pela consoladora
Graça dos olhos onde chora e ri um sonho
Doce, pela vossa alma pura e sempre boa,
Versos do fundo desta aflição opressora.
Porque, ai! o pesadelo hediondo que me assombra
Não dá tréguas e, louco, furioso, ciumento,
Multiplica-se como um cortejo de lobos
E enforca-se com o meu destino que ensanguenta !
Ah ! sofro horrivelmente, ao ponto de o gemido
Desse primeiro homem expulso do Paraíso
Não passar de uma écloga à vista do meu !
E os cuidados que vós podeis ter são apenas
Andorinhas voando à tarde pelo céu
- Querida - num belo dia ameno de setembro.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Março, mês de Paul Verlaine


Este mês o Brusca postará poemas de Paul Velaine, o Príncipe dos Poetas, tal como ficou conhecido na França.

Paul Verlaine foi um poeta francês, nascido em 30 de março 1844, de vida considerada atribulada e escandalosa, cuja poesia reflete a contradição entre uma conduta deplorável e um ideal quase primitivo de pureza e misticismo. Verlaine nasceu em Metz e fez seus estudos secundários em Paris, entrando depois, como funcionário, para a Prefeitura. Já nessa época, frequentava a boemia dos cafés parisienses, sendo um funcionário relapso e pouco assíduo. É então que descobre a poesia. Poèmes Saturniens ("Poemas Saturninos", 1866) é sua primeira coletânea publicada. Verlaine professa de início a impassibilidade parnasiana, mas já seu instinto poético o conduz a dar maior agilidade ao alexandrino, a utilizar os ritmos ímpares, a sugerir vagos estados por estrofes vaporosas. Poucas obras na história da poesia francesa são mais sinceras e comoventes. Inquieto e instável, o poeta conquista por algum tempo o equilíbrio e a paz, quando se casa em 1870 com Mathilde Meauté.

Porém, sucedem-se logo os mal-entendidos conjugais e Verlaine retoma seus antigos hábitos boêmios. Liga-se então ao jovem poeta Rimbaud e em sua companhia perambula pela Inglaterra e a Bélgica. Em julho de 1873, em Bruxelas, sob a influência da bebida, atira duas vezes no amigo, e é preso. Durante os dois anos de prisão em Mons vem a saber que a esposa pedira divórcio. Profundamente abalado, Verlaine se converte a fé católica. Testemunhas dessa fase de crise e conversão, são seus dois livros: Romances sem palavras, de 1874 e Sabedoria, de 1881. De regresso à França em 1877 e, enquanto ensinava Inglês em uma escola em Rethel apaixonou-se por um de seus alunos, Lucien Létinois, que foi quem o inspirou a escrever seus próximos poemas. Verlaine ficou devastado quando o garoto morreu de tifo em 1883.

Também é flagrante a influência do gênio de Rimbaud nos temas e nos ritmos. Foi admirado pelos simbolistas que o endeusaram, embora o próprio poeta se quisesse manter independente de qualquer corrente literária. No final de sua vida, o poeta se esgota e o homem se degrada. Apesar da celebridade e do respeito da novas gerações que o consagram como o "Príncipe dos Poetas", ele vive miseravelmente perambulando de hospital em hospital e de café em café até sua morte, em 08 de janeiro 1896.

Adaptado de: Nossa Casa e Wikipédia.

domingo, 8 de março de 2009

Dia Internacional da Mulher

No poema de Vinicius de Moraes que transcrevo abaixo, dedicado a Nelita, quarta esposa do poeta, com quem este viveu de 1963 a 1969, vemos um homem disposto e dedicado à mulher por quem se apaixonou. Ele zela por sua saúde, pede que lhe tragam seus instrumentos de trabalho (papel, esferográficas) - quer estar pronto para a poesia -, porque sua amada vai chegar.

Neste 08 de março, desejo que cada mulher tenha um homem pronto e dedicado a ela, a amá-la e a cobri-la de carinhos, mimos e presentes. Mas não apenas isso. Queremos homens que nos respeitem, que nos façam ter orgulho deles, que tenham qualidades admiráveis como lealdade, afetividade, compaixão, senso de justiça, honestidade. Queremos pais zelosos para os nossos filhos, que os façam melhores homens e melhores mulheres do que conseguimos ser.

Queremos a felicidade!
Feliz Dia Internacional da Mulher a todas as mulheres!


A brusca poesia da mulher amada (III)
Vinicius de Moraes
(A Nelita)

Minha mãe, alisa de minha fronte todas as cicatrizes do passado
Minha irmã, conta-me histórias da infância em que que eu haja sido herói sem mácula
Meu irmão, verifica-me a pressão, o colesterol, a turvação do timol, a bilirrubina
Maria, prepara-me uma dieta baixa em calorias, preciso perder cinco quilos
Chamem-me a massagista, o florista, o amigo fiel para as confidências
E comprem bastante papel; quero todas as minhas esferográficas
Alinhadas sobre a mesa, as pontas prestes à poesia.
Eis que se anuncia de modo sumamente grave
A vinda da mulher amada, de cuja fragrância já me chega o rastro.
É ela uma menina, parece de plumas
E seu canto inaudível acompanha desde muito a migração dos ventos
Empós meu canto. É ela uma menina.
Como um jovem pássaro, uma súbita e lenta dançarina
Que para mim caminha em pontas, os braços suplicantes
Do meu amor em solidão.
Sim, eis que os arautos
Da descrença começam a encapuçar-se em negros mantos
Para cantar seus réquiens e os falsos profetas
A ganhar rapidamente os logradouros para gritar suas mentiras.
Mas nada a detém; ela avança, rigorosa
Em rodopios nítidos
Criando vácuos onde morrem as aves.
Seu corpo, pouco a pouco
Abre-se em pétalas...
Ei-la que vem vindo
Como uma escura rosa voltejante
Surgida de um jardim imenso em trevas.
Ela vem vindo... Desnudai-me, aversos!
Lavai-me, chuvas! Enxugai-me, ventos!
Alvoroçai-me, auroras nascituras!
Eis que chega de longe, como a estrela
De longe, como o tempo
A minha amada última!

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Por que se criam blogs?



Não sei exatamente o que leva a maioria das pessoas a criarem blogs, fotologs, my spaces e afins, mas tenho um palpite de que a razão tenha a ver com identidade. Pessoas estão, o tempo todo, desejosas de afirmarem sua identidade individual, até mesmo quando julgam estar afirmando uma identidade de grupo, seja por meio dos textos (próprios ou de autores favoritos) publicados em diários virtuais, seja através de fotos lançadas a cada minuto nos fotologs, ou das músicas baixadas nos my spaces. Deixemos de lado as questões sobre o quê e onde, pois não importam aqui, e nos concentremos no porquê. Em tempos em que as relações humanas se liquefazem tão facilmente, como assinala Bauman em obras como Amor Líquido e Modernidade Líquida, os seres humanos tendem a se isolar dentro do que acreditam ser o seu “eu” verdadeiro, a salvo das ameaças que as relações exteriores podem representar a sua individualidade. Importante salientar aqui que as identidades, para Bauman, longe de serem rígidas, são também elas líquidas, fluidas, dispostas a se moldarem o tempo todo às mudanças sociais, políticas, econômicas, pois “nenhuma união de corpos pode, por mais que se tente, escapar à moldura social e cortar todas as conexões com outras facetas da existência social” (Amor Líquido). Peço licença ao sociólogo polonês para estender essa afirmação – aplicada especificamente ao amor na comtemporaneidade – à formação da identidade, pois entendo que ela (identidade) seja produto do encontro social entre as pessoas, dentro de uma cultura, num tempo histórico.

Ao mesmo tempo, no que pode parecer – e é – um movimento paradoxal, as pessoas lançam-se em relacionamentos novos com uma freqüência cada vez maior, cuja marca principal é a transitoriedade. Não estou falando aqui apenas de relacionamentos amorosos, embora também deles, mas de todo tipo de relações humanas – as de amizade, as de trabalho e até mesmo as de parentesco. É difícil fugirmos da vontade de auto-afirmação e do apelo individualizante da pós-modernidade. Estamos cotidianamente caindo na armadilha do individualismo, da busca por um sucesso profissional que se define pelo retorno meramente financeiro, traduzido em acumulação de dinheiro para sustentar nosso consumismo. Somos levados a acreditar que nossa felicidade e realização como pessoas se devam menos a nossa capacidade de nos relacionarmos com os outros, do que às contingências exteriores a nós – um bom emprego, um salário digno – de modo que fugimos à responsabilidade e a depositamos na conta do mundo perverso e cruel lá fora – a metáfora foi, sim, uma alfinetada no capitalismo e nas regras que ele impõe às relações humanas, à semelhança das relações de consumo – mais uma vez é Bauman quem nos confronta com essa verdade.

Mas por que um texto intitulado “Por que se criam blogs?” está discutindo o mundo capitalista, depois de começar falando em identidade? Para quem pensa que, espertamente, pegou essa pobre escritora em contradição, ou ao menos desprevenida, se engana, pois não estou aqui falando de terceiros, e me excluindo dessa soma, mas ao contrário, falo em primeiro lugar de mim mesma e dos meus blogs – dois em atividade, um parado, mas ainda vivendo no espaço virtual e dois multiply, sem mencionar os perfis do MSN e o do Orkut... Quantas ferramentas pra dar conta de uma pessoa só! Mas uma pessoa inquieta, inconstante, em busca de definição, atrás do sentido das palavras e das coisas e, acima de tudo, do sentido da própria existência. O que são todas essas coisas senão o retrato de uma pessoa numa busca incessante por definir-se e definir o seu mundo, frente às ameaças de dissolução que as relações líquidas parecem significar? Talvez porque o vislumbre da condição de mais um na multidão de corpos controlados seja demasiado incômodo para nossa pobre consciência, presa a uma idéia de individualidade que já não cumpre mais o papel de proporcionar conforto. Talvez porque não queiramos reconhecer o fato de que somos nós que construímos a sociedade em que vivemos, e somos nós, não os deuses, os responsáveis pelas mazelas que se nos abatem. Talvez eu esteja divagando demais nessa madrugada quente e abafada...

Já reconhecemos que a criação de blogs – os quaisquer manifestações dessa natureza – ainda que se definam de outras mil maneiras, guardam uma característica em comum entre si, a saber: todas representam, em maior ou menor grau, algum tipo de esforço para afirmar a identidade de alguém ou de um grupo. Não nos furtamos a reconhecer também, que, não sendo diferentes dos demais, também estamos aqui pra afirmarmos a nossa diferença individual, nossa identidade como sujeitos. Falta falar uma última coisa, para encerrar esse texto – mas não os pensamentos que lhe deram origem! O que falta deixar claro é que não se trata de afirmar juízos de valores quando dissemos, com Bauman, que as identidades e as relações, no tempo que estamos vivendo, são líquidas – isto é: fluidas, escorrem o tempo todo, escapam de definições enclausurantes, e estão, o tempo todo, se moldando às exigências da realidade que nos circunda. Isso não é bom nem mau. Não é melhor nem pior do que o que tínhamos antes – relações mais duradouras entre sujeitos com identidades monolíticas e sólidas. Trata-se, unicamente, de que é o estado das coisas.

Há muito ainda o que dizer. O assunto não se esgota aqui, nem se esgotará nas postagens subseqüentes. Muito do que li nos últimos tempos, bem como dos filmes que tenho assistido, convergiu para que este texto fosse escrito. Nos próximos posts, falarei um pouco mais sobre essas influências.


Bia Loivos.



Para compor esse texto, recorri ao site Digestivo Cultural - resenha do livro Amor Líquido, de Zygmunt Bauman.
http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=123

Aos que queiram se aprofundar, indico este link, que contém uma entrevista com Bauman.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20702004000100015&script=sci_arttext

Outros textos sobre o pensamento do sociólogo polonês também podem ser encontrados no mesmo endereço.



terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Quanta poesia!


Quanta poesia há no olhar de uma criança...
Nas suas brincadeiras simples,
no seu riso espontâneo,
na sua sede de tudo!

Olhando pra você, me vi a mim mesma,
brincando no mesmo quintal
satisfeita de ser criança e de ter o mundo!

Bem-aventurados os pequenos, por verem graça onde
os "grandes" nem suspeitam haver coisa alguma.

O mundo é seu!

Bia Loivos.

As contemplaçôes vêm!

Uma flauta invisível

Victor Hugo

Vem ! - Uma flauta invisível
Suspire perto dos vergéis
- A canção mais tranqüila
É a canção de pastores.
O vento sopra, debaixo dos galhos ,
O espelho escuro das águas.
- A canção mais feliz
É a canção de pássaros.
Aquele cuidar atento não te atormenta.
Nos amamos ! amamos sempre!
- A canção mais encantadora
É a canção de amores.

O Sepulcro da Rosa

Victor Hugo

O sepulcro diz à rosa
Que fazes tu flor mimosa
Do orvalho da alva manhã?
Diz a rosa à sepultura:
Que fazes feia negrura
de tanta forma louça?
Negra tumba, segue a rosa
Eu, dessa água preciosa
Faço aroma que é só meu.
Diz-lhe a tumba com afago
De cada corpo que trago
Ressurge um anjo no céu.

Desejo

Victor Hugo

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.
Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você sesentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
Eque pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga `Isso é meu`,
Só para que fique bem claro quem é o dono dequem.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar esofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
Eque se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Fevereiro, mês de Victor Hugo

Filho de Joseph Hugo e de Sophie Trébuchet, Victor-Marie Hugo nasceu em Besançon, no Doubs, mas passou a infância em Paris. Estadas em Nápoles e na Espanha acabaram por influenciar profundamente sua obra. Funda com os seus irmãos em 1819 uma revista, o Conservateur littéraire (Conservador literário), que já chama a atenção para o seu talento. No mesmo ano, ganha o concurso da Académie des Jeux Floraux.

O seu primeiro recolhimento de poemas, Odes, é publicado em 1822: tem então vinte e sete anos.

Com Cromwell, publicado em 1827, alcança o sucesso. No prefácio deste drama em versos, que não foi encenado enquanto esteve vivo, opõe-se às convenções clássicas, em especial à unidade de tempo e à unidade de lugar.

Tem, até uma idade avançada, diversas amantes, sendo a mais famosa Juliette Drouet, atriz sem talento que lhe dedica a sua vida, e a quem ele escreve numerosos poemas. Ambos passavam juntos o aniversário do seu encontro e preenchiam, nesta ocasião, ano após ano, um caderno comum que nomeavam o Livro do aniversário.

Criado por sua mãe no espírito da monarquia, acaba por se convencer, pouco a pouco, do interesse da democracia ("Cresci", escreve num poema onde se justifica). A sua idéia é que "onde o conhecimento está apenas num homem, a monarquia se impõe." "Onde está num grupo de homens, deve fazer lugar à aristocracia. E quando todos têm acesso às luzes do saber, então vem o tempo da democracia".

Tendo se tornado favorável a uma democracia liberal e humanitária, é eleito deputado da Segunda República em 1848, e apóia a candidatura do "príncipe Louis-Napoléon".

Exila-se após o golpe de Estado de 2 de Dezembro de 1851, que condena vigorosamente por razões morais em "Histoire d'un crime".

Durante o Segundo Império, em oposição a Napoléon III, vive em exílio em Jersey, Guernsey e Bruxelas. É um dos únicos proscritos a recusar a anistia decidida algum tempo depois: « Et s'il n'en reste qu'un, je serai celui-là » ("e se sobra apenas um, serei eu").

Com a morte da sua filha, Leopoldina, começa a descobrir e investigar experiências espíritas relatadas numa obra diferente nomeada "Les tables tournantes de Jersey".


O enterro de Victor Hugo, em 1885.De acordo com seu último desejo, seu corpo é depositado em um caixão humilde que é enterrado no Panthéon.

Tendo ficado vários dias exposto sob o Arco do Triunfo, estima-se que 1 milhão de pessoas vieram lhe prestar uma última homenagem.

A partir de 1849, Victor Hugo dedica um quarto da sua obra à política, um quarto à religião e outro à Filosofia humana e social. Se o pensamento de Victor Hugo pode parecer complexo e às vezes contraditório, não se pode dizer que seja monoteísta.

Sempre um reformista, envolve-se em política por toda a sua vida. Mas se critica as misérias sociais, não adota o discurso socialista da luta de classes. Pelo contrário, ele próprio viveu uma vida financeiramente confortável, construída com seus próprios esforços, tornando-se um dos escritores mais bem remunerados de sua época. Acreditava no direito do homem usufruir dos frutos do seu trabalho, embora reforçasse a responsabilidade que acompanha o enriquecimento pessoal. Desse modo, sempre buscou prosperar enquanto doava uma parte significativa de sua renda para diferentes obras de caridades.

Seu principal romance, os Miseráveis, narra a história de um self made-man, Jean Valjean, um sujeito que foge da prisão e reconstrói sua vida através do trabalho. Valjean monta uma empresa e, através dela, traz prosperidade para a sua região; além disso, usa sua fortuna em obras de caridade para ajudar os pobres. Suas boas obras são interrompedias apenas quando um policial - um agente do Estado - decide interferir arbitrariamente nas atividades privadas da sociedade civil.

Os Miseráveis, portanto, traz claramente a filosofia política de Victor Hugo. É um mundo onde há cooperação - e não luta - entre as classes; onde o empreendedor desempenha um função essencialmente benéfica para todos; onde o trabalho é a via principal de aprimoramente pessoal e social; onde a intervenção estatal por motivos moralista - seja do policial ou do revolucionário obcecado pela justiça terrena - é um dos principais riscos para o bem de todos que será gerado espontaneamente pelos indivíduos privados.

Ele também se opõe à violência quando ela se aplica contra um poder democrático, mas a justifica (conforme à Declaração dos direitos do homem) contra um poder ilegítimo. É assim que, em 1851, lança um chamado à luta - "carregar seu fuzil e ficar preparado" - que não é seguido. Mantém esta posição até 1870, quando começa a Guerra Franco-Prussiana; Hugo a condena: "guerra de capricho" e não de liberdade.

Em seguida, o império é deposto e a guerra continua, desta vez contra a república; o argumento de Hugo em favor da fraternização resta, ainda, sem resposta. É assim que, em 17 de Setembro, publica uma chamada ao levantamento de massa e à resistência. Os republicanos moderados ficam horrorizados: preferem Bismarck aos "socialistas"! A população de Paris, no entanto, se mobiliza e lê avidamente Les Châtiments. (Ver Comuna de Paris).

Coerente, Hugo não podia ser comunista: "O significado da Comuna é imenso, ela poderia fazer grandes coisas, mas na verdade faz somente pequenas coisas. E pequenas coisas que são odiosas, é lamentável. Compreendam-me: sou um homem de revolução. Aceito, assim, as grandes necessidades, mas somente sob uma condição: que sejam a confirmação dos princípios e não o seu desrespeito. Todo o meu pensamento oscila entre dois pólos: civilização-revolução "." A construção de uma sociedade igualitária só será possível se for conseqüência de uma recomposição da sociedade liberal."

No entanto, diante da repressão que se abate sobre os comunistas, o poeta declara seu desgosto: "Alguns bandidos mataram 64 reféns. Replica-se matando 6000 prisioneiros!".

Denunciando até o fim a segregação social, Hugo declara durante a última reunião pública que preside: "A questão social perdura. Ela é terrível, mas é simples: é a questão dos que têm e dos que não têm!". Tratava-se precisamente de recolher fundos para permitir a 126 delegados operários a viagem ao primeiro Congresso socialista da França, em Marselha.

Victor Hugo, no entanto, nunca aceitou o discurso socialista. Ele acreditava que uma sociedade aberta encontraria soluções para seus problemas. Mais que isso, ele era contra políticas de redistribuição de riquezas, pois o efeito dessas seria desincentivar a produção, fazendo com que toda a sociedade caminhasse para trás. Caso fosse permitida a liberdade de comércio, por outro lado, e caso se tolerasse algum grau de desigualdade social, o resultado - largamente comprovado pela história posterior - seria o progresso geral de todos, beneficiando inclusive os membros mais pobres da sociedade. Portanto, a defesa de um ordem que permita o progresso é benéfica para todos, e não para uma classe específica.

“O comunismo e o agrarianismo acreditam que resolveram este segundo problema [da distribuição de renda], mas estão enganados: a distribuição destrói a produtividade. A repartição em partes iguais mata a ambição e, por conseqüência, o trabalho. É uma distribuição de açogueiros, que mata aquilo que reparte. Portanto, é impossível tomar essas pretensas soluções como princípio. Destruir riqueza não é distribuí-la”

Fonte: Wikipedia - a enciclopédia livre.

sábado, 17 de janeiro de 2009

A descoberta


Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra
os selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam pôr a mão
E depois a tomaram como espantados
primeiro chá
Depois de dançarem
Diogo Dias
Fez o salto real
as meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha.

(in Poesias Reunidas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971.)
Fonte: http://www.jornaldepoesia.jor.br/oswal.html#adescoberta

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Canto de regresso à pátria

Oswald de Andrade

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá

Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo

Fonte: Releituras - http://www.releituras.com/oandrade_menu.asp

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Janeiro, mês de Oswald de Andrade


OSWALD DE ANDRADE, poeta, romancista e dramaturgo, nasceu em São Paulo em 11 de janeiro de 1890. Filho de família rica, estuda na Faculdade de Direito do Largo São Francisco e, em 1912, viaja para à Europa. Em Paris, entra em contato com o Futurismo e com a boemia estudantil. Além das idéias Futuristas, conhece Kamiá, mãe de Nonê, seu primeiro filho, nascido em 1914.

De volta a São Paulo faz jornalismo literário. Em 1917, passa a viver com Maria de Lourdes Olzani (ou Deise), conhece Mário de Andrade e defende a pintora Anita Malfatti de uma crítica devastadora de Monteiro Lobato. Ao lado deles, e de outros intelectuais, organiza a Semana de Arte Moderna de 1922.

Em 1924 publica, pela primeira vez, no jornal "Correio da manhã", na edição de 18 de março de 1924, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil. No ano seguinte, após algumas alterações, o Manifesto abria o seu livro de poesias "Pau-Brasil".

Em 1926, Oswald casa-se com a Tarsila do Amaral e os dois tornam-se o casal mais importante das artes brasileiras. Apelidados carinhosamente por Mário de Andrade como "Tarsiwald", o casal funda, dois anos depois, o Movimento Antropófago e a Revista de Antropofagia, originários do Manifesto Antropófago. A principal proposta desse Movimento era que o Brasil devorasse a cultura estrangeira e criasse uma cultura revolucionária própria.

O ano de 1929 é fundamental na vida do escritor. A crise de 29 abalou as suas finanças, ele rompe com Mário de Andrade, separa-se de Tarsila do Amaral e apaixona-se pela escritora comunista Patrícia Galvão (Pagu). O relacionamento com Patrícia Galvão intensifica sua atividade política e Oswald passa a militar no Partido Comunista Brasileiro (PCB). Além disso, o casal funda o jornal "O Homem do Povo", que durou até 1945, quando o autor rompeu com o PCB. Do casamento com Patrícia Galvão, nasceu Rudá, seu segundo filho.

Depois de separar-se de Pagu, casou-se, em 1936, com a poetisa Julieta Bárbara. Em 1944, mais um casamento, agora com Maria Antonieta D'Aikmin, com quem permanece junto até a morte, em 1954.

Nenhum outro escritor do Modernismo ficou mais conhecido pelo espírito irreverente e combativo do que Oswald de Andrade. Sua atuação intelectual é considerada fundamental na cultura brasileira do início do século. A obra literária de Oswald apresenta exemplarmente as características do Modernismo da primeira fase.

A poesia de Oswald é precursora de um movimento que vai marcar a cultura brasileira na década de 60: o Concretismo. Suas idéias, ainda nessa década, reaparecem também no Tropicalismo.

"Memórias sentimentais de João Miramar" chama a atenção pela linguagem e pela montagem inédita. O romance apresenta uma técnica de composição revolucionária, se comparado aos romances tradicionais: são 163 episódios numerados e intitulados, que constituem capítulos-relâmpagos (tudo muito influenciado pela linguagem do cinema) ou, mais precisamente, como se os fragmentos estivessem dispostos num álbum, tal qual fotos que mantêm relação entre si. Cada episódio narra, com ironia e humor, um fragmento da vida de Miramar. "Recorte, colagem, montagem", resume o crítico Décio Pignatari.

::. Principais Obras

Além dos manifestos da Poesia Pau-Brasil (1924); Manifesto Antropófago (1928), Oswald escreveu:

Poesia:

Pau-Brasil (1925);
Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade (1927);
Cântico dos cânticos para flauta e violão (1945);
Ô escaravelho de ouro (1945).
Romance:

Os condenados (trilogia) (1922-34);
Memórias sentimentais de João Miramar (1924);
Serafim Ponte Grande (1933);
Marco Zero -a revolução melancólica (1943).
Teatro:

O homem e o cavalo (1934);
A mona (1937);
O rei da veia (1937).


Fonte: website Mundo Cultural - http://www.mundocultural.com.br/index.asp?url=http://www.mundocultural.com.br/literatura1/modernismo/brasil/1_fase/oswald_andrade.html