Florbela Espanca
Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.
Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.
Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…
Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!
Charneca em Flor.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
Versos
Florbela Espanca
Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz. cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma.
Versos!… Sei lá! Um verso é teu olhar,
Um verso é teu sorriso e os de Dante
Eram o seu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!
Meus versos!… Sei eu lá também que são…
Sei lá! Sei lá!… Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez…
Versos! Versos! Sei lá o que são versos..
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês!…
O Livro D'Ele.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela/?page_id=4
Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz. cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma.
Versos!… Sei lá! Um verso é teu olhar,
Um verso é teu sorriso e os de Dante
Eram o seu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!
Meus versos!… Sei eu lá também que são…
Sei lá! Sei lá!… Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez…
Versos! Versos! Sei lá o que são versos..
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês!…
O Livro D'Ele.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela/?page_id=4
domingo, 7 de dezembro de 2008
O Meu Impossível
Florbela Espanca
Minh’alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!
Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito.É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!…
Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!…Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto…
Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!…
Reliquiae.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela
Minh’alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!
Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito.É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!…
Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!…Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto…
Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!…
Reliquiae.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela
sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
Teus Olhos
Florbela Espanca
Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis. minhas rendas, meus brocados.
Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d’Além-Mundos ignorados!
Olhos do meu Amor! Fontes… cisternas..
Enigmáticas campas medievais…
Jardins de Espanha… catedrais eternas…
Berço vinde do céu à minha porta…
Ó meu leite de núpcias irreais!…
Meu sumptuoso túmulo de morta!...
Charneca em Flor.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela/?page_id=4
Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis. minhas rendas, meus brocados.
Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d’Além-Mundos ignorados!
Olhos do meu Amor! Fontes… cisternas..
Enigmáticas campas medievais…
Jardins de Espanha… catedrais eternas…
Berço vinde do céu à minha porta…
Ó meu leite de núpcias irreais!…
Meu sumptuoso túmulo de morta!...
Charneca em Flor.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela/?page_id=4
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Alma Perdida
Florbela Espanca
Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!
Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente…
Talvez sejas a alma, a alma doente
D’alguém que quis amar e nunca amou!
Toda a noite choraste… e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!
Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh’alma
Que chorasse perdida em tua voz!…
Livro de Mágoas - Florbela Espanca.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela/
Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!
Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente…
Talvez sejas a alma, a alma doente
D’alguém que quis amar e nunca amou!
Toda a noite choraste… e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!
Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh’alma
Que chorasse perdida em tua voz!…
Livro de Mágoas - Florbela Espanca.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela/
Dezembro, mês de Florbela Espanca.
Florbela Espanca nasceu Flor Bela Lobo, a 8 de dezembro de 1894, filha de João Maria Espanca e Antónia da Conceição Lobo. Florbela entra para o curso primário em 1899, passando a assinar Flor d’Alma da Conceição Espanca.
Em 1903, aos sete anos, faz seu primeiro poema, A Vida e a Morte, já revelando, desde muito cedo, uma tendência a temas mais obscuros.
Casou-se três vezes e não teve filhos. Sofreu dois abortos involuntários. Depois do primeiro deles, em 1917, começa a apresentar os primeiros sinais de neurose e seu casamento se desfaz logo em seguida. O segundo casamento também não durou muito. Separa-se do marido após um aborto, o que faz com que sua família deixe de falar com ela.
Em 1927, seu irmão, Apeles, falece em um acidente, o que agrava consideravelmente a saúde de Florbela. A partir daí, ela nunca mais será a mesma.
Em 1930, tenta o suicídio e é diagnosticado um edema pulmonar. No dia 8 de dezembro do mesmo ano (em seu aniversário de 26 anos) , suicida-se ingerindo dois frascos de Veronal.
Obras
Livro de Mágoas.
Lisboa, Tipografia Maurício, 1919.
Livro de Sóror Saudade.
Lisboa, Tipografia A Americana, 1923.
Charneca em Flor.
Coimbra, Livraria Gonçalves, 1931.
Charneca em Flor.
(com 28 sonetos inéditos). Coimbra, Livraria Gonçalves, 1931.
Cartas de Florbela Espanca.
(a Dona Júlia Alves e a Guido Battelli). Coimbra, Livraria Gonçalves, 1931.
As Máscaras do Destino.
Porto, Editora Maranus, 1931.
Sonetos Completos.
(Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade, Charneca em Flor, Reliquiae). Coimbra, Livraria Gonçalves, 1934.
Cartas de Florbela Espanca.
Lisboa, Edição dos Autores, s/d, prefácio de Azinhal Abelho e José Emídio Amaro(1949).
Diário do último ano.
Lisboa, Bertrand, 1981, prefácio de Natália Correia.
O Dominó Preto.
Lisboa, Bertrand, 1982, prefácio de Y. K. Centeno.
Obras Completas de Florbela Espanca.
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1985-1986, 08 vols., edição de Rui Guedes.
Trocando Olhares.
Lisboa, Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1994; estudo introdutório, estabelecimento de textos e notas de Maria Lúcia Dal Farra.
Fonte: http://www.prahoje.com.br/florbela/?page_id=4
terça-feira, 25 de novembro de 2008
Discurso
Cecília Meireles
E aqui estou, cantando.
Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixa seu ritmo por onde passa.
Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram.
Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.
Pois aqui estou, cantando.
Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute?
Ah! Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?
E aqui estou, cantando.
Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixa seu ritmo por onde passa.
Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram.
Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.
Pois aqui estou, cantando.
Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute?
Ah! Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
Retrato
Cecília Meireles
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
quarta-feira, 19 de novembro de 2008
Motivo
Cecília Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo
mais nada.
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo
mais nada.
Novembro: mês de Cecília Meireles!
Peço desculpas aos leitores deste blog, pelo meu afastamento, mas estive muito ocupada no último mês com o meu trabalho (e daqui pra frente só piora, já que estamos no fim do ano!), motivo pelo qual somente agora estou "abrindo o mês" aqui no Brusca Poesia. E faço isso em grande estilo, já que a homenageada é Cecília Meireles.
Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu em 7 de novembro de 1901, no Rio de Janeiro e faleceu em 1964, também no Rio de Janeiro. Foi a única sobrevivente dos quatros filhos do casal. O pai faleceu três meses antes do seu nascimento, e sua mãe quando ainda não tinha três anos. Criou-a, a partir de então, sua avó D. Jacinta Garcia Benevides. Foi poeta, professora, jornalista e cronista.
No período de 1919 a 1927, colaborou nas revistas Árvore Nova, Terra de Sol e Festa. Fundou a primeira biblioteca infantil do Brasil.
Lecionou na Univerdade do Distrito Federal em 1936 e na Universidade do Texas em 1940. Trabalhou no Departamento de Imprensa e Propaganda no governo de Getúlio Vargas, dirigindo a revista Travel in Brazil (1936).
É considerada por muitos como uma das maiores poetisas da Língua Portuguesa.
Em 1993 foi atribuído o Prémio Camões a Cecília Meireles.
"Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde, foi nessa área que os livros se abriram e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano."Cecíclia Meireles
Fonte: www.releituras.com.br / http://www.ecolenet.nl/tellme/poesia/cecilia.htm
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
Poema de sete faces
Carlos Drummond de Andrade
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
domingo, 19 de outubro de 2008
Ausência
Carlos Drummond de Andrade
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
terça-feira, 14 de outubro de 2008
A Máquina do Mundo
Carlos Drummond de Andrade
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,
a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”
As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.
Este poema foi escolhido como o melhor poema brasileiro de todos os tempos por um grupo significativo de escritores e críticos, a pedido do caderno “MAIS” (edição de 02-01-2000), publicado aos domingos pelo jornal “Folha de São Paulo”. Publicado originalmente no livro “Claro Enigma”, o texto acima foi extraído do livro “Nova Reunião”, José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1985, pág. 300.
Fonte: http://www.releituras.com/drummond_amaquina.asp
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,
a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”
As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.
Este poema foi escolhido como o melhor poema brasileiro de todos os tempos por um grupo significativo de escritores e críticos, a pedido do caderno “MAIS” (edição de 02-01-2000), publicado aos domingos pelo jornal “Folha de São Paulo”. Publicado originalmente no livro “Claro Enigma”, o texto acima foi extraído do livro “Nova Reunião”, José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1985, pág. 300.
Fonte: http://www.releituras.com/drummond_amaquina.asp
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
Os Ombros Suportam o Mundo
Carlos Drummond de Andrade
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
Outubro - mês de Carlos Drummond de Andrade!
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro - MG, em 31 de outubro de 1902. De uma família de fazendeiros em decadência, estudou na cidade de Belo Horizonte e com os jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo RJ, de onde foi expulso por "insubordinação mental". De novo em Belo Horizonte, começou a carreira de escritor como colaborador do Diário de Minas, que aglutinava os adeptos locais do incipiente movimento modernista mineiro.
Ante a insistência familiar para que obtivesse um diploma, formou-se em farmácia na cidade de Ouro Preto em 1925. Fundou com outros escritores A Revista, que, apesar da vida breve, foi importante veículo de afirmação do modernismo em Minas. Ingressou no serviço público e, em 1934, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação, até 1945. Passou depois a trabalhar no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e se aposentou em 1962. Desde 1954 colaborou como cronista no Correio da Manhã e, a partir do início de 1969, no Jornal do Brasil.
O modernismo não chega a ser dominante nem mesmo nos primeiros livros de Drummond, Alguma poesia (1930) e Brejo das almas (1934), em que o poema-piada e a descontração sintática pareceriam revelar o contrário. A dominante é a individualidade do autor, poeta da ordem e da consolidação, ainda que sempre, e fecundamente, contraditórias. Torturado pelo passado, assombrado com o futuro, ele se detém num presente dilacerado por este e por aquele, testemunha lúcida de si mesmo e do transcurso dos homens, de um ponto de vista melancólico e cético. Mas, enquanto ironiza os costumes e a sociedade, asperamente satírico em seu amargor e desencanto, entrega-se com empenho e requinte construtivo à comunicação estética desse modo de ser e estar.
Vem daí o rigor, que beira a obsessão. O poeta trabalha sobretudo com o tempo, em sua cintilação cotidiana e subjetiva, no que destila do corrosivo. Em Sentimento do mundo (1940), em José (1942) e sobretudo em A rosa do povo (1945), Drummond lançou-se ao encontro da história contemporânea e da experiência coletiva, participando, solidarizando-se social e politicamente, descobrindo na luta a explicitação de sua mais íntima apreensão para com a vida como um todo. A surpreendente sucessão de obras-primas, nesses livros, indica a plena maturidade do poeta, mantida sempre.
Várias obras do poeta foram traduzidas para o espanhol, inglês, francês, italiano, alemão, sueco, tcheco e outras línguas. Drummond foi seguramente, por muitas décadas, o poeta mais influente da literatura brasileira em seu tempo, tendo também publicado diversos livros em prosa.
Em mão contrária traduziu os seguintes autores estrangeiros: Balzac (Les Paysans, 1845; Os camponeses), Choderlos de Laclos (Les Liaisons dangereuses, 1782; As relações perigosas), Marcel Proust (La Fugitive, 1925; A fugitiva), García Lorca (Doña Rosita, la soltera o el lenguaje de las flores, 1935; Dona Rosita, a solteira), François Mauriac (Thérèse Desqueyroux, 1927; Uma gota de veneno) e Molière (Les Fourberies de Scapin, 1677; Artimanhas de Scapino).
Alvo de admiração irrestrita, tanto pela obra quanto pelo seu comportamento como escritor, Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro RJ, no dia 17 de agosto de 1987, poucos dias após a morte de sua filha única, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade.
Fonte: http://www.releituras.com/drummond_bio.asp
sábado, 27 de setembro de 2008
Traduzir-se
Ferreira Gullar
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
Aprendizado
Ferreira Gullar
Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.
Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vida só consome
o que a alimenta.
Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.
Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vida só consome
o que a alimenta.
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
Um instante
Ferreira Gullar
Aqui me tenho
como não me conheço
nem me quis
sem começo
nem fim
aqui me tenho
sem mim
nada lembro
nem sei
à luz presente
sou apenas um bicho
transparente
Aqui me tenho
como não me conheço
nem me quis
sem começo
nem fim
aqui me tenho
sem mim
nada lembro
nem sei
à luz presente
sou apenas um bicho
transparente
domingo, 14 de setembro de 2008
Filhos
Ferreira Gullar
Daqui escutei
quando eles
chegaram rindo
e correndo
entraram
na sala
e logo
invadiram também
o escritório
(onde eu trabalhava)
num alvoroço
e rindo e correndo
se foram
com sua alegria
se foram
Só então
me perguntei
por que
não lhes dera
maior
atenção
se há tantos
e tantos
anos
não os via crianças
já que
agora
estão os três
com mais
de trinta anos.
Daqui escutei
quando eles
chegaram rindo
e correndo
entraram
na sala
e logo
invadiram também
o escritório
(onde eu trabalhava)
num alvoroço
e rindo e correndo
se foram
com sua alegria
se foram
Só então
me perguntei
por que
não lhes dera
maior
atenção
se há tantos
e tantos
anos
não os via crianças
já que
agora
estão os três
com mais
de trinta anos.
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
10 de setembro
Neste 10 de setembro, aniversário de Ferreira Gullar, peço licença ao poeta para publicar aqui não um poema seu, mas um texto do meu namorado, e grande amor, Patrick, que também nasceu nesta data e tem dotes poéticos igualmente dignos de nota!
Meu amor gosta de dizer que tem alma de poeta. Concordo! Você, entre todos, tem a minha completa admiração, porque tem também meu carinho e meu amor incondicionais.
Em homenagem a você, meu aniversariante predileto, publico aqui um trecho de uma carta sua. Para que os eventuais leitores deste blog fiquem cientes que o dito "amor verdadeiro" existe, sim, e que é o sentimento mais lindo e reconfortante do mundo!
Amo você, para sempre.
Sempre sua,
Bia Rosa.
"Nosso amor é uma velha novidade para mim; é como o pôr do sol, ou mesmo o nascer dele, é como a chuva, as ondas do mar, as listras de um tigre, um grão de pólen. É uma coisa tão original e nova a cada dia, que me surpreende sempre.
Só de ler suas saudações, ou ouvir sua voz novamente, me pego numa contemplação do infinito manancial de beleza que brota de você. Ao ver-te, então, isso fica mais evidente: os traços do seu rosto, as curvas do seu corpo, seu sorriso, seus pêlos, sua carne e epiderme, sua cor, seu cheiro, sua voz, seu toque, sua respiração, seu carinho... Têm uma pluralidade tão grande, que te contemplar é sempre um desafio, pois nunca há meios de prever a sua beleza.
Você, minha Rosa, tem a beleza da Lua. Uma beleza mutante, que desconstrói as possibilidades de prendê-la a qualquer rótulo ou arquétipo. É uma beleza diferente, é a beleza das belezas, a infinitude da alma expressa em carne, osso e coração.
É a beleza que me faz feliz, que completa meu mundo". Patrick Zanon.
Meu amor gosta de dizer que tem alma de poeta. Concordo! Você, entre todos, tem a minha completa admiração, porque tem também meu carinho e meu amor incondicionais.
Em homenagem a você, meu aniversariante predileto, publico aqui um trecho de uma carta sua. Para que os eventuais leitores deste blog fiquem cientes que o dito "amor verdadeiro" existe, sim, e que é o sentimento mais lindo e reconfortante do mundo!
Amo você, para sempre.
Sempre sua,
Bia Rosa.
"Nosso amor é uma velha novidade para mim; é como o pôr do sol, ou mesmo o nascer dele, é como a chuva, as ondas do mar, as listras de um tigre, um grão de pólen. É uma coisa tão original e nova a cada dia, que me surpreende sempre.
Só de ler suas saudações, ou ouvir sua voz novamente, me pego numa contemplação do infinito manancial de beleza que brota de você. Ao ver-te, então, isso fica mais evidente: os traços do seu rosto, as curvas do seu corpo, seu sorriso, seus pêlos, sua carne e epiderme, sua cor, seu cheiro, sua voz, seu toque, sua respiração, seu carinho... Têm uma pluralidade tão grande, que te contemplar é sempre um desafio, pois nunca há meios de prever a sua beleza.
Você, minha Rosa, tem a beleza da Lua. Uma beleza mutante, que desconstrói as possibilidades de prendê-la a qualquer rótulo ou arquétipo. É uma beleza diferente, é a beleza das belezas, a infinitude da alma expressa em carne, osso e coração.
É a beleza que me faz feliz, que completa meu mundo". Patrick Zanon.
sábado, 6 de setembro de 2008
Fotografia de Mallarmé
Ferreira Gullar
é uma foto
premeditada
como um crime
basta
reparar no arranjo
das roupas os cabelos
a barba tudo
adrede preparado
- um gesto e a manta
equilibrada sobre
os ombros
cairá - e
especialmente a mão
com a caneta
detida
acima da
folha em branco: tudo
à espera
da eternidade
sabe-se:
após o clique
a cena se desfez
na rue de Rome a vida voltou
a fluir imperfeita
mas
isso a foto não
captou que a foto
é a pose a suspensão
do tempo
agora
meras manchas
no papel rastro
mas eis que
teu olhar
encontra o dele
(Mallarmé) que
ali
do fundo
da morte
olha
é uma foto
premeditada
como um crime
basta
reparar no arranjo
das roupas os cabelos
a barba tudo
adrede preparado
- um gesto e a manta
equilibrada sobre
os ombros
cairá - e
especialmente a mão
com a caneta
detida
acima da
folha em branco: tudo
à espera
da eternidade
sabe-se:
após o clique
a cena se desfez
na rue de Rome a vida voltou
a fluir imperfeita
mas
isso a foto não
captou que a foto
é a pose a suspensão
do tempo
agora
meras manchas
no papel rastro
mas eis que
teu olhar
encontra o dele
(Mallarmé) que
ali
do fundo
da morte
olha
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Ouvindo apenas
Ferreira Gullar
e gato e passarinho
e gato
e passarinho (na manhã
veloz
e azul
de ventania e ar
vores
voando)
e cão
latindo e gato e passarinho (só
rumores
de cão
de gato
e passarinho
ouço
deitado
no quarto
às dez da manhã
de um novembro
no Brasil)
e gato e passarinho
e gato
e passarinho (na manhã
veloz
e azul
de ventania e ar
vores
voando)
e cão
latindo e gato e passarinho (só
rumores
de cão
de gato
e passarinho
ouço
deitado
no quarto
às dez da manhã
de um novembro
no Brasil)
terça-feira, 2 de setembro de 2008
Os mortos
Ferreira Gullar
os mortos vêem o mundo pelos olhos dos vivos
eventualmente ouvem, com nossos ouvidos, certas sinfonias
algum bater de portas, ventanias
Ausentes de corpo e alma misturam o seu ao nosso riso
se de fato quando vivos acharam a mesma graça
os mortos vêem o mundo pelos olhos dos vivos
eventualmente ouvem, com nossos ouvidos, certas sinfonias
algum bater de portas, ventanias
Ausentes de corpo e alma misturam o seu ao nosso riso
se de fato quando vivos acharam a mesma graça
Setembro: Mês de Ferreira Gullar
No dia 10 de setembro de 1930, nasce o poeta Ferreira Gullar, em São Luís, Maranhão. Seu nome, na verdade, é José Ribamar Ferreira, o quarto dos 11 filhos de Alzira Ribeiro Goulart e do comerciante Newton Ferreira.
Apaixonado por uma menina, Gullar, em 1943, decide abrir mão de seus dois grandes amigos, "Esmagado" e "Espírito da Garagem da Bosta", e ficar recluso dentro de casa lendo e escrevendo poemas.
Em 1950, Gullar vê a polícia matar um operário num comício. Locutor da Rádio Timbira, que era do governo estadual, Gullar nega-se a ler em seu programa uma nota oficial que apontava os comunistas como responsáveis pelo crime. Acaba sendo demitido. No mesmo ano, seu poema "O galo" vence um concurso do "Jornal de letras", cuja comissão julgadora era composta por Manuel Bandeira, Odylo Costa Filho e Willy Lewin.
Lança o livro de poemas "A luta corporal", em 1954, que vinha sendo escrito desde 1950. Seu projeto gráfico inovador rende a Gullar um desentendimento com os tipógrafos. Depois de lerem o livro, os poetas Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, que viriam a criar o concretismo, decidem conhecê-lo. Gullar vai trabalhar como revisor (e depois redator) na revista "Manchete" e casa-se com a atriz Thereza Aragão, com quem teria os filhos Luciana, Paulo e Marcos.
Em dezembro de 1956, Gullar participa da I Exposição Nacional de Arte Concreta, aberta no Museu de Arte Moderna de São Paulo e montada depois no Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro.
Em 1957, por discordar do artigo "Da psicologia da composição à matemática da composição", escrito pelo grupo concretista de São Paulo, Gullar rompe com o movimento.
Lança o livro "Poemas"em 1958.
No ano seguinte, Gullar escreve o "Manifesto neoconcreto" e a "Teoria do não-objeto", que imprimem um novo rumo à vanguarda brasileira. O manifesto, publicado por ocasião da I Exposição Neoconcreta, foi assinado também por Amílcar de Castro, Aluísio Carvão, Franz Weissmann, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lígia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanúdis.
Fonte: Portal Literal - site oficial de Ferreira Gullar.
terça-feira, 19 de agosto de 2008
terça-feira, 12 de agosto de 2008
Bem no Fundo
Paulo Leminski
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
quarta-feira, 6 de agosto de 2008
Apagar-me
Paulo Leminski
Apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme.
Apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme.
Agosto, mês de Paulo Leminski.
O paranaense Paulo Leminski nasceu em 24 de agosto de 1944, em Curitiba, onde passou toda sua vida. Desde muito cedo, Leminski inventou um jeito próprio de escrever poesia, preferindo poemas breves, muitas vezes fazendo haicais (poema japonês de três versos), trocadilhos, ou brincando com ditados populares. Aos 20 anos, publicou seus primeiros poemas na revista Invenção. Casou-se em 1968 com a poeta Alice Ruiz com quem teve as filhas Áurea Alice e Estrela e o filho Miguel Ângelo.
Na década de 70, teve poemas e textos publicados em diversas revistas de sua cidade natal - como Corpo Estranho, Muda Código, Raposa - e lançou o seu ousado Catatau, que denominou "prosa experimental", em edição particular.
Em 1983, o poeta passou a publicar pela editora Brasiliense, o que o fez conhecer o sucesso. Passou, então, a colaborar no Folhetim do jornal Folha de S. Paulo, a resenhar livros de poesia para a revista Veja e a participar do Jornal de Vanguarda da TV Bandeirantes. Como compositor, teve músicas gravadas por Caetano Veloso, Paulinho Boca de Cantor, Itamar Assumpção, Ney Matogrosso, por grupos como A cor do Som e Blindagem, e parcerias com Moraes Moreira.
Paulo Leminski foi também faixa-preta e professor de judô, poliglota e tradutor, professor de história e de redação em cursos pré-vestibulares, diretor de criação e redator de publicidade. Para o público infanto-juvenil escreveu em 1986, Guerra dentro da gente e, em 1989, A lua foi ao cinema.
O poeta morreu no dia 7 de junho de 1989. Em sua homenagem, foi inaugurado o Espaço Cultural Paulo Leminski, teatro multimídia ao ar livre, na antiga pedreira municipal de Curitiba, no mesmo ano.
http://br.geocities.com/edterranova/leminski.htm
domingo, 20 de julho de 2008
Das utopias
Mario Quintana
Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
a mágica presença das estrelas!
Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
a mágica presença das estrelas!
quarta-feira, 9 de julho de 2008
Poema da gare de Astapovo
Mário Quintana
O velho Leon Tolstói fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!
O velho Leon Tolstói fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!
segunda-feira, 7 de julho de 2008
A rua dos cataventos
Mário Quintana
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
quinta-feira, 3 de julho de 2008
Espelho
Mário Quintana
Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (...)
Parece meu velho pai - que já morreu! (...)
Nosso olhar duro interroga:
"O que fizeste de mim?" Eu pai? Tu é que me invadiste.
Lentamente, ruga a ruga... Que importa!
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra,
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste..."
Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (...)
Parece meu velho pai - que já morreu! (...)
Nosso olhar duro interroga:
"O que fizeste de mim?" Eu pai? Tu é que me invadiste.
Lentamente, ruga a ruga... Que importa!
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra,
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste..."
quarta-feira, 2 de julho de 2008
Os poemas
Mário Quintana
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Fonte:QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. Porto Alegre: L&PM,1980.
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Fonte:QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. Porto Alegre: L&PM,1980.
terça-feira, 1 de julho de 2008
Julho - Mês de Mário Quintana
Foto: www.sescsp.org.br
A série Grandes Autores continua no mês de julho; desta vez homenageando Mário Quintana, poeta gaúcho nascido em Alegrete, em 30 de julho de 1906, e morto em 5 de maio de 1994, em Porto Alegre.
Quintana trabalhou em vários jornais gaúchos. Traduziu Proust, Conrad, Balzac, e outros autores de importância. Em 1940, lançou a Rua dos Cataventos, seu Primeiro livro de poesias. Ao que seguiram Canções (1946), Sapato Florido (1948), O aprendiz de Feiticeiro (1950), Espelho Mágico (1951), Quintanares (1976), Apontamentos de História Sobrenatural (1976), A Vaca eo Hipogrifo (1977), Prosa e Verso (1978), Baú de Espantos (1986), Preparativos de Viagem (1987), além de varias antologias.
Fonte: Jornal da Poesia.
A série Grandes Autores continua no mês de julho; desta vez homenageando Mário Quintana, poeta gaúcho nascido em Alegrete, em 30 de julho de 1906, e morto em 5 de maio de 1994, em Porto Alegre.
Quintana trabalhou em vários jornais gaúchos. Traduziu Proust, Conrad, Balzac, e outros autores de importância. Em 1940, lançou a Rua dos Cataventos, seu Primeiro livro de poesias. Ao que seguiram Canções (1946), Sapato Florido (1948), O aprendiz de Feiticeiro (1950), Espelho Mágico (1951), Quintanares (1976), Apontamentos de História Sobrenatural (1976), A Vaca eo Hipogrifo (1977), Prosa e Verso (1978), Baú de Espantos (1986), Preparativos de Viagem (1987), além de varias antologias.
Fonte: Jornal da Poesia.
sexta-feira, 20 de junho de 2008
HORAS VIVAS
Machado de Assis - Crisálidas.
NOITE; abrem-se as flores.
Que esplendores!
Cíntia sonha amores
Pelo céu.
Tênues as neblinas
Às campinas
Descem das colinas
Como um véu.
Mãos em mãos travadas
Animadas,
Vão aquelas fadas
Pelo ar
Soltos os cabelos,
Em novelos
Puros, louros, belos
A voar.
"Homem, nos teus dias
Que agonias
Sonhos, utopias,
Ambições;
Vivas e fagueiras,
As primeiras
Como as derradeiras
Ilusões!
Quantas, quantas vidas
Vão perdidas,
Pombas malferidas
Pelo mal!
Anos após anos,
Tão insanos
Vêm os desenganos
Afinal.
Dorme: se os pesares
Repousares.
Vês? —por estes ares
Vamos rir;
Mortas, não; festivas,
E lascivas,
Somos—horas vivas De dormir. —"
NOITE; abrem-se as flores.
Que esplendores!
Cíntia sonha amores
Pelo céu.
Tênues as neblinas
Às campinas
Descem das colinas
Como um véu.
Mãos em mãos travadas
Animadas,
Vão aquelas fadas
Pelo ar
Soltos os cabelos,
Em novelos
Puros, louros, belos
A voar.
"Homem, nos teus dias
Que agonias
Sonhos, utopias,
Ambições;
Vivas e fagueiras,
As primeiras
Como as derradeiras
Ilusões!
Quantas, quantas vidas
Vão perdidas,
Pombas malferidas
Pelo mal!
Anos após anos,
Tão insanos
Vêm os desenganos
Afinal.
Dorme: se os pesares
Repousares.
Vês? —por estes ares
Vamos rir;
Mortas, não; festivas,
E lascivas,
Somos—horas vivas De dormir. —"
segunda-feira, 16 de junho de 2008
SINHÁ
Machado de Assis - Crisálidas
O teu nome é como o óleo derramado.
Cântico dos Cânticos.
Cântico dos Cânticos.
NEM O PERFUME que expira
A flor, pela tarde amena,
Nem a nota que suspira
Canto de saudade e pena
Nas brandas cordas da lira;
Nem o murmúrio da veia
Que abriu sulco pelo chão
Entre margens de alva areia,
Onde se mira e recreia
Rosa fechada em botão;
Nem o arrulho enternecido
Das pombas nem do arvoredo
Esse amoroso arruído
Quando escuta algum segredo
Pela brisa repetido;
Nem esta saudade pura
Do canto do sabiá
Escondido na espessura
Nada respira doçura
Como o teu nome, Sinhá!
A flor, pela tarde amena,
Nem a nota que suspira
Canto de saudade e pena
Nas brandas cordas da lira;
Nem o murmúrio da veia
Que abriu sulco pelo chão
Entre margens de alva areia,
Onde se mira e recreia
Rosa fechada em botão;
Nem o arrulho enternecido
Das pombas nem do arvoredo
Esse amoroso arruído
Quando escuta algum segredo
Pela brisa repetido;
Nem esta saudade pura
Do canto do sabiá
Escondido na espessura
Nada respira doçura
Como o teu nome, Sinhá!
domingo, 15 de junho de 2008
ELEGIA
Machado de Assis - Crisálidas
A bondade choremos inocente
Cortada em flor que, pela mão da morte,
Nos foi arrebatada dentre a gente.
CAMÕES
Cortada em flor que, pela mão da morte,
Nos foi arrebatada dentre a gente.
CAMÕES
SE, COMO OUTRORA, nas florestas virgens,
Nos fosse dado—o esquife que te encerra
Erguer a um galho de árvore frondosa
Certo, não tinhas um melhor jazigo
Do que ali, ao ar livre, entre os perfumes
Da florente estação, imagem viva
De teus cortados dias, e mais perto
Do clarão das estrelas.
Sobre teus pobres e adorados restos,
Piedosa, a noite ali derramaria
De seus negros cabelos puro orvalho
À beira do teu último jazigo
Os alados cantores da floresta
Iriam sempre modular seus cantos
Nem letra, nem lavor de emblema humano,
Relembraria a mocidade morta;
Bastava só que ao coração materno,
Ao do esposo, ao dos teus, ao dos amigos,
Um aperto, uma dor, um pranto oculto,
Dissesse: —Dorme aqui, perto dos anjos,
A cinza de quem foi gentil transunto
De virtudes e graças.
Mal havia transposto da existência
Os dourados umbrais; a vida agora
Sorria-lhe toucada dessas flores
Que o amor, que o talento e a mocidade
À uma repartiam.
Tudo lhe era presságio alegre e doce;
Uma nuvem sequer não sombreava,
Em sua fronte, o íris da esperança;
Era, enfim, entre os seus a cópia viva
Dessa ventura que os mortais almejam,
E que raro a fortuna, avessa ao homem.
Deixa gozar na terra.
Mas eis que o anjo pálido da morte
A pressentiu feliz e bela e pura
E, abandonando a região do olvido,
Desceu à terra, e sob a asa negra
A fronte lhe escondeu; o frágil corpo
Não pôde resistir; a noite eterna
Veio fechar seus olhos
Enquanto a alma abrindo
As asas rutilantes pelo espaço.
Foi engolfar-se em luz, perpetuamente,
Tal a assustada pomba, que na árvore
O ninho fabricou,—se a mão do homem
Ou a impulsão do vento um dia abate
No seio do infinito
O recatado asilo,—abrindo o vôo,
Deixa os inúteis restos
E, atravessando airosa os leves ares
Vai buscar noutra parte outra guarida.
Hoje, do que era inda lembrança resta
E que lembrança! Os olhos fatigados
Parecem ver passar a sombra dela
O atento ouvido inda lhe escuta os passos
E as teclas do piano, em que seus dedos
Tanta harmonia despertavam antes
Como que soltam essas doces notas
Que outrora ao seu contacto respondiam.
Ah! pesava-lhe este ar da terra impura
Faltava-lhe esse alento de outra esfera,
Onde, noiva dos anjos, a esperavam
As palmas da virtude.
Mas, quando assim a flor da mocidade
Toda se esfolha sobre o chão da morte,
Senhor, em que firmar a segurança
Das venturas da terra? Tudo morre;
A sentença fatal nada se esquiva,
O que é fruto e o que é flor. O homem cego
Cuida haver levantado em chão de bronze
Um edifício resistente aos tempos
Mas lá vem dia, em que, a um leve sopro,
O castelo se abate,
Onde, doce ilusão, fechado havias
Tudo o que de melhor a alma do homem
Encerra de esperanças.
Dorme, dorme tranqüila
Em teu último asilo: e se eu não pude
Ir espargir também algumas flores
Sobre a lájea da tua sepultura;
Se não pude,—eu que há pouco te saudava
Em teu erguer, estrela,—os tristes olhos
Banhar nos melancólicos fulgores,
Na triste luz do teu recente ocaso,
Deixo-te ao menos nesses pobres versos
Um penhor de saudade , e lá na esfera
Aonde aprouve ao Senhor chamar-te cedo
Possas tu ler nas pálidas estrofes
A tristeza do amigo.
Nos fosse dado—o esquife que te encerra
Erguer a um galho de árvore frondosa
Certo, não tinhas um melhor jazigo
Do que ali, ao ar livre, entre os perfumes
Da florente estação, imagem viva
De teus cortados dias, e mais perto
Do clarão das estrelas.
Sobre teus pobres e adorados restos,
Piedosa, a noite ali derramaria
De seus negros cabelos puro orvalho
À beira do teu último jazigo
Os alados cantores da floresta
Iriam sempre modular seus cantos
Nem letra, nem lavor de emblema humano,
Relembraria a mocidade morta;
Bastava só que ao coração materno,
Ao do esposo, ao dos teus, ao dos amigos,
Um aperto, uma dor, um pranto oculto,
Dissesse: —Dorme aqui, perto dos anjos,
A cinza de quem foi gentil transunto
De virtudes e graças.
Mal havia transposto da existência
Os dourados umbrais; a vida agora
Sorria-lhe toucada dessas flores
Que o amor, que o talento e a mocidade
À uma repartiam.
Tudo lhe era presságio alegre e doce;
Uma nuvem sequer não sombreava,
Em sua fronte, o íris da esperança;
Era, enfim, entre os seus a cópia viva
Dessa ventura que os mortais almejam,
E que raro a fortuna, avessa ao homem.
Deixa gozar na terra.
Mas eis que o anjo pálido da morte
A pressentiu feliz e bela e pura
E, abandonando a região do olvido,
Desceu à terra, e sob a asa negra
A fronte lhe escondeu; o frágil corpo
Não pôde resistir; a noite eterna
Veio fechar seus olhos
Enquanto a alma abrindo
As asas rutilantes pelo espaço.
Foi engolfar-se em luz, perpetuamente,
Tal a assustada pomba, que na árvore
O ninho fabricou,—se a mão do homem
Ou a impulsão do vento um dia abate
No seio do infinito
O recatado asilo,—abrindo o vôo,
Deixa os inúteis restos
E, atravessando airosa os leves ares
Vai buscar noutra parte outra guarida.
Hoje, do que era inda lembrança resta
E que lembrança! Os olhos fatigados
Parecem ver passar a sombra dela
O atento ouvido inda lhe escuta os passos
E as teclas do piano, em que seus dedos
Tanta harmonia despertavam antes
Como que soltam essas doces notas
Que outrora ao seu contacto respondiam.
Ah! pesava-lhe este ar da terra impura
Faltava-lhe esse alento de outra esfera,
Onde, noiva dos anjos, a esperavam
As palmas da virtude.
Mas, quando assim a flor da mocidade
Toda se esfolha sobre o chão da morte,
Senhor, em que firmar a segurança
Das venturas da terra? Tudo morre;
A sentença fatal nada se esquiva,
O que é fruto e o que é flor. O homem cego
Cuida haver levantado em chão de bronze
Um edifício resistente aos tempos
Mas lá vem dia, em que, a um leve sopro,
O castelo se abate,
Onde, doce ilusão, fechado havias
Tudo o que de melhor a alma do homem
Encerra de esperanças.
Dorme, dorme tranqüila
Em teu último asilo: e se eu não pude
Ir espargir também algumas flores
Sobre a lájea da tua sepultura;
Se não pude,—eu que há pouco te saudava
Em teu erguer, estrela,—os tristes olhos
Banhar nos melancólicos fulgores,
Na triste luz do teu recente ocaso,
Deixo-te ao menos nesses pobres versos
Um penhor de saudade , e lá na esfera
Aonde aprouve ao Senhor chamar-te cedo
Possas tu ler nas pálidas estrofes
A tristeza do amigo.
sábado, 14 de junho de 2008
ERRO
Machado de Assis - Crisálidas
ERRO É TEU. Amei-te um dia
Com esse amor passageiro
Que nasce na fantasia
E não chega ao coração;
Não foi amor, foi apenas
Uma ligeira impressão;
Um querer indiferente,
Em tua presença, vivo,
Morto, se estavas ausente,
E se ora me vês esquivo
Se, como outrora, não vês
Meus incensos de poeta
Ir eu queimar a teus pés,
É que,—como obra de um dia,
Passou-me essa fantasia.
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras.
Tuas frívolas quimeras,
Teu vão amor de ti mesma,
Essa pêndula gelada
Que chamavas coração,
Eram bem fracos liames
Para que a alma enamorada
Me conseguissem prender;
Foram baldados tentames,
Saiu contra ti o azar,
E embora pouca, perdeste
A glória de me arrastar
Ao teu carro... Vãs quimeras!
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras...
ERRO É TEU. Amei-te um dia
Com esse amor passageiro
Que nasce na fantasia
E não chega ao coração;
Não foi amor, foi apenas
Uma ligeira impressão;
Um querer indiferente,
Em tua presença, vivo,
Morto, se estavas ausente,
E se ora me vês esquivo
Se, como outrora, não vês
Meus incensos de poeta
Ir eu queimar a teus pés,
É que,—como obra de um dia,
Passou-me essa fantasia.
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras.
Tuas frívolas quimeras,
Teu vão amor de ti mesma,
Essa pêndula gelada
Que chamavas coração,
Eram bem fracos liames
Para que a alma enamorada
Me conseguissem prender;
Foram baldados tentames,
Saiu contra ti o azar,
E embora pouca, perdeste
A glória de me arrastar
Ao teu carro... Vãs quimeras!
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras...
terça-feira, 10 de junho de 2008
POLÔNIA
Machado de Assis - Crisálidas
E ao terceiro dia a alma deve voltar ao
corpo, e a nação ressuscitará.
Mickiewicz
corpo, e a nação ressuscitará.
Mickiewicz
COMO AURORA de um dia desejado,
Clarão suave o horizonte inunda.
É talvez a manhã. A noite amarga
Como que chega ao termo; e o sol dos livres,
Cansado de te ouvir o inútil pranto,
Alfim ressurge no dourado Oriente.
Eras livre —tão livre como as águas
Do teu formoso, celebrado rio;
A coroa dos tempos
Cingia-te a cabeça veneranda;
E a desvelada mãe, a irmã cuidosa,
A santa liberdade,
Como junto de um berço precioso,
À porta dos teus lares vigiava.
Eras feliz demais, demais formosa;
A sanhuda cobiça dos tiranos
Veio enlutar teus venturosos dias...
Infeliz! a medrosa liberdade
Em face dos canhões espavorida
Aos reis abandonou teu chão sagrado;
Sobre ti, moribunda,
Viste cair os duros opressores:
Tal a gazela que percorre os campos,
Se o caçador a fere,
Cai convulsa de dor em mortais ânsias,
E vê no extremo arranco
Abater-se sobre ela
Escura nuvem de famintos corvos.
Presa uma vez da ira dos tiranos,
Os membros retalhou-te
Dos senhores a esplêndida cobiça;
Em proveito dos reis a terra livre
Foi repartida, e os filhos teus—escravos—
Viram descer um véu de luto à pátria
E apagar-se na história a glória tua.
A glória, não!—É glória o cativeiro,
Quando a cativa, como tu, não perde
A aliança de Deus, a fé que alenta
E essa união universal e muda
Que faz comuns a dor, o ódio, a esperança.
Um dia, quando o cálix da amargura,
Mártir, até às fezes esgotaste,
Longo tremor correu as fibras tuas;
Em teu ventre de mãe, a liberdade
Parecia soltar esse vagido
Que faz rever o céu no olhar materno;
Teu coração estremeceu; teus lábios
Trêmulos de ansiedade e de esperança,
Buscaram aspirar a longos tragos
A vida nova nas celestes auras.
Então surgiu Kosciuszko;
Pela mão do Senhor vinha tocado
A fé no coração, a espada em punho,
E na ponta da espada a torva morte,
Chamou aos campos a nação caída.
De novo entre o direito e a força bruta
Empenhou-se o duelo atroz e infausto
Que a triste humanidade
Inda verá por séculos futuros.
Foi longa a luta; os filhos dessa terra
Ah! não pouparam nem valor nem sangue!
A mãe via partir sem pranto os filhos
A irmã o irmão, a esposa o esposo,
E todas abençoavam
A heróica legião que ia à conquista
Do grande livramento.
Coube às hostes da força
Da pugna o alto prêmio;
A opressão jubilosa
Cantou essa vitória de ignomínia;
E de novo, ó cativa, o véu de luto
Correu sobre teu rosto!
Deus continha
Em suas mãos o sol da liberdade,
E inda não quis que nesse dia infausto
Teu macerado corpo alumiasse.
Resignada à dor e ao infortúnio,
A mesma fé, o mesmo amor ardente
Davam-te a antiga força.
Triste viúva, o templo abriu-te as portas;
Foi a hora dos hinos e das preces;
Cantaste a Deus, tua alma consolada
Nas asas da oração aos céus subia,
Como a refugiar-se e a refazer-se
No seio do infinito.
E quando a forca do feroz cossaco
À casa do Senhor ia buscar-te,
Era ainda rezando
Que te arrastavas pelo chão da igreja.
Pobre nação!—é longo o teu martírio;
A tua dor pede vingança e termo;
Muito hás vertido em lágrimas e sangue;
É propícia esta hora. O sol dos livres
Como que surge no dourado Oriente.
Não ama a liberdade
Quem não chora contigo as dores tuas;
E não pede, e não ama, e não deseja
Tua ressurreição, finada heróica!
Clarão suave o horizonte inunda.
É talvez a manhã. A noite amarga
Como que chega ao termo; e o sol dos livres,
Cansado de te ouvir o inútil pranto,
Alfim ressurge no dourado Oriente.
Eras livre —tão livre como as águas
Do teu formoso, celebrado rio;
A coroa dos tempos
Cingia-te a cabeça veneranda;
E a desvelada mãe, a irmã cuidosa,
A santa liberdade,
Como junto de um berço precioso,
À porta dos teus lares vigiava.
Eras feliz demais, demais formosa;
A sanhuda cobiça dos tiranos
Veio enlutar teus venturosos dias...
Infeliz! a medrosa liberdade
Em face dos canhões espavorida
Aos reis abandonou teu chão sagrado;
Sobre ti, moribunda,
Viste cair os duros opressores:
Tal a gazela que percorre os campos,
Se o caçador a fere,
Cai convulsa de dor em mortais ânsias,
E vê no extremo arranco
Abater-se sobre ela
Escura nuvem de famintos corvos.
Presa uma vez da ira dos tiranos,
Os membros retalhou-te
Dos senhores a esplêndida cobiça;
Em proveito dos reis a terra livre
Foi repartida, e os filhos teus—escravos—
Viram descer um véu de luto à pátria
E apagar-se na história a glória tua.
A glória, não!—É glória o cativeiro,
Quando a cativa, como tu, não perde
A aliança de Deus, a fé que alenta
E essa união universal e muda
Que faz comuns a dor, o ódio, a esperança.
Um dia, quando o cálix da amargura,
Mártir, até às fezes esgotaste,
Longo tremor correu as fibras tuas;
Em teu ventre de mãe, a liberdade
Parecia soltar esse vagido
Que faz rever o céu no olhar materno;
Teu coração estremeceu; teus lábios
Trêmulos de ansiedade e de esperança,
Buscaram aspirar a longos tragos
A vida nova nas celestes auras.
Então surgiu Kosciuszko;
Pela mão do Senhor vinha tocado
A fé no coração, a espada em punho,
E na ponta da espada a torva morte,
Chamou aos campos a nação caída.
De novo entre o direito e a força bruta
Empenhou-se o duelo atroz e infausto
Que a triste humanidade
Inda verá por séculos futuros.
Foi longa a luta; os filhos dessa terra
Ah! não pouparam nem valor nem sangue!
A mãe via partir sem pranto os filhos
A irmã o irmão, a esposa o esposo,
E todas abençoavam
A heróica legião que ia à conquista
Do grande livramento.
Coube às hostes da força
Da pugna o alto prêmio;
A opressão jubilosa
Cantou essa vitória de ignomínia;
E de novo, ó cativa, o véu de luto
Correu sobre teu rosto!
Deus continha
Em suas mãos o sol da liberdade,
E inda não quis que nesse dia infausto
Teu macerado corpo alumiasse.
Resignada à dor e ao infortúnio,
A mesma fé, o mesmo amor ardente
Davam-te a antiga força.
Triste viúva, o templo abriu-te as portas;
Foi a hora dos hinos e das preces;
Cantaste a Deus, tua alma consolada
Nas asas da oração aos céus subia,
Como a refugiar-se e a refazer-se
No seio do infinito.
E quando a forca do feroz cossaco
À casa do Senhor ia buscar-te,
Era ainda rezando
Que te arrastavas pelo chão da igreja.
Pobre nação!—é longo o teu martírio;
A tua dor pede vingança e termo;
Muito hás vertido em lágrimas e sangue;
É propícia esta hora. O sol dos livres
Como que surge no dourado Oriente.
Não ama a liberdade
Quem não chora contigo as dores tuas;
E não pede, e não ama, e não deseja
Tua ressurreição, finada heróica!
domingo, 8 de junho de 2008
EPITÁFIO DO MÉXICO
Machado de Assis - Crisálidas.
DOBRA o joelho: — é um túmulo.
Embaixo amortalhado
Jaz o cadáver tépido
De um povo aniquilado;
A prece melancólica
Reza-lhe em torno à cruz.
Ante o universo atônito
Abriu-se a estranha liça
Travou-se a luta férvida
Da força e da justiça;
Contra a justiça, ó século,
Venceu a espada e o obus.
Venceu a força indômita;
Mas a infeliz vencida
A mágoa, a dor, o ódio,
Na face envilecida
Cuspiu-lhe. E a eterna mácula
Seus louros murchará.
E quando a voz fatídica
Da santa liberdade
Vier em dias prósperos
Clamar à humanidade
Então revivo o México
Da campa surgirá
DOBRA o joelho: — é um túmulo.
Embaixo amortalhado
Jaz o cadáver tépido
De um povo aniquilado;
A prece melancólica
Reza-lhe em torno à cruz.
Ante o universo atônito
Abriu-se a estranha liça
Travou-se a luta férvida
Da força e da justiça;
Contra a justiça, ó século,
Venceu a espada e o obus.
Venceu a força indômita;
Mas a infeliz vencida
A mágoa, a dor, o ódio,
Na face envilecida
Cuspiu-lhe. E a eterna mácula
Seus louros murchará.
E quando a voz fatídica
Da santa liberdade
Vier em dias prósperos
Clamar à humanidade
Então revivo o México
Da campa surgirá
STELLA
Machado de Assis - Crisálidas
JÁ RARO e mais escasso
A noite arrasta o manto,
E verte o último pranto
Por todo o vasto espaço.
Tíbio clarão já cora
A tecla do horizonte,
E já de sobre o monte
Vem debruçar-se a aurora.
À muda e torva irmã,
Dormida de cansaço,
Lá vem tomar o espaço
A virgem da manhã.
Uma por uma, vão
As pálidas estrelas,
E vão, e vão com elas
Teus sonhos, coração.
Mas tu, que o devaneio
Inspiras do poeta,
Não vês que a vaga inquieta
Abre-te o úmido seio?
Vai. Radioso e ardente,
Em breve o astro do dia,
Rompendo a névoa fria
Virá do roxo oriente.
Dos íntimos sonhares
Que a noite protegera,
De tanto que eu vertera,
Em lágrimas a pares,
Do amor silencioso,
Místico, doce, puro,
Dos sonhos de futuro,
Da paz, do etéreo gozo,
De tudo nos desperta
Luz de importuno dia;
Do amor que tanto a enchia
Minha alma está deserta.
A virgem da manhã
Já todo o céu domina ...
Espero-te, divina,
Espero-te, amanhã.
JÁ RARO e mais escasso
A noite arrasta o manto,
E verte o último pranto
Por todo o vasto espaço.
Tíbio clarão já cora
A tecla do horizonte,
E já de sobre o monte
Vem debruçar-se a aurora.
À muda e torva irmã,
Dormida de cansaço,
Lá vem tomar o espaço
A virgem da manhã.
Uma por uma, vão
As pálidas estrelas,
E vão, e vão com elas
Teus sonhos, coração.
Mas tu, que o devaneio
Inspiras do poeta,
Não vês que a vaga inquieta
Abre-te o úmido seio?
Vai. Radioso e ardente,
Em breve o astro do dia,
Rompendo a névoa fria
Virá do roxo oriente.
Dos íntimos sonhares
Que a noite protegera,
De tanto que eu vertera,
Em lágrimas a pares,
Do amor silencioso,
Místico, doce, puro,
Dos sonhos de futuro,
Da paz, do etéreo gozo,
De tudo nos desperta
Luz de importuno dia;
Do amor que tanto a enchia
Minha alma está deserta.
A virgem da manhã
Já todo o céu domina ...
Espero-te, divina,
Espero-te, amanhã.
sexta-feira, 6 de junho de 2008
QUINZE ANOS
Machado de Assis - Crisálidas
ERA UMA pobre criança ...
—Pobre criança, se o eras! —
Entre as quinze primaveras
De sua vida cansada
Nem uma flor de esperança
Abria a medo. Eram rosas
Que a douda da esperdiçada
Tão festivas, tão formosas,
Desfolhava pelo chão.
— Pobre criança, se o eras! —
Os carinhos mal gozados
Eram por todos comprados,
Que os afetos de sua alma
Havia-os levado à feira,
Onde vendera sem pena
Até a ilusão primeira
Do seu doudo coração!
Pouco antes, a candura,
Coas brancas asas abertas,
Em um berço de ventura
A crianca acalentava
Na santa paz do Senhor;
Para acordá-la era cedo.
E a pobre ainda dormia
Naquele mudo segredo
Que só abre o seio um dia
Para dar entrada a amor.
Mas, por teu mal, acordaste!
Junto do berço passou-te
A festiva melodia
Da sedução ... e acordou-te
Colhendo as límpidas asas,
O anjo que te velava
Nas mãos trêmulas e frias
Fechou o rosto... chorava!
Tu, na sede dos amores,
Colheste todas as flores
Que nas orlas do caminho
Foste encontrando ao passar;
Por elas, um só espinho
Não te feriu... vais andando...
Corre, criança, até quando
Fores forçada a parar!
Então, desflorada a alma
De tanta ilusão, perdida
Aquela primeira calma
Do teu sono de pureza;
Esfolhadas, uma a uma
Essas rosas de beleza
Que se esvaem como a escuma
Que a vaga cospe na praia
E que por si se desfaz;
Então quando nos teus olhos
Uma lágrima buscares,
E secos, secos de febre,
Uma só não encontrares
Das que em meio das angústias
São um consolo e uma paz;
Então, quando o frio 'spectro
Do abandono e da penúria
Vier aos teus sofrimentos
Juntar a última injúria:
E que não vires ao lado
Um rosto, um olhar amigo,
Daqueles que são agora
Os desvelados contigo;
Criança, verás o engano
E o erro dos sonhos teus-
E dirás, - então já tarde, -
Que por tais gozos não vale
Deixar os braços de Deus.
Oh! la fleur de l'Eden, pourquoi l'as-tu fannée,
Insoluciant enfant, belle Ève aux blonds cheveux!
Alfred de Musset
Insoluciant enfant, belle Ève aux blonds cheveux!
Alfred de Musset
ERA UMA pobre criança ...
—Pobre criança, se o eras! —
Entre as quinze primaveras
De sua vida cansada
Nem uma flor de esperança
Abria a medo. Eram rosas
Que a douda da esperdiçada
Tão festivas, tão formosas,
Desfolhava pelo chão.
— Pobre criança, se o eras! —
Os carinhos mal gozados
Eram por todos comprados,
Que os afetos de sua alma
Havia-os levado à feira,
Onde vendera sem pena
Até a ilusão primeira
Do seu doudo coração!
Pouco antes, a candura,
Coas brancas asas abertas,
Em um berço de ventura
A crianca acalentava
Na santa paz do Senhor;
Para acordá-la era cedo.
E a pobre ainda dormia
Naquele mudo segredo
Que só abre o seio um dia
Para dar entrada a amor.
Mas, por teu mal, acordaste!
Junto do berço passou-te
A festiva melodia
Da sedução ... e acordou-te
Colhendo as límpidas asas,
O anjo que te velava
Nas mãos trêmulas e frias
Fechou o rosto... chorava!
Tu, na sede dos amores,
Colheste todas as flores
Que nas orlas do caminho
Foste encontrando ao passar;
Por elas, um só espinho
Não te feriu... vais andando...
Corre, criança, até quando
Fores forçada a parar!
Então, desflorada a alma
De tanta ilusão, perdida
Aquela primeira calma
Do teu sono de pureza;
Esfolhadas, uma a uma
Essas rosas de beleza
Que se esvaem como a escuma
Que a vaga cospe na praia
E que por si se desfaz;
Então quando nos teus olhos
Uma lágrima buscares,
E secos, secos de febre,
Uma só não encontrares
Das que em meio das angústias
São um consolo e uma paz;
Então, quando o frio 'spectro
Do abandono e da penúria
Vier aos teus sofrimentos
Juntar a última injúria:
E que não vires ao lado
Um rosto, um olhar amigo,
Daqueles que são agora
Os desvelados contigo;
Criança, verás o engano
E o erro dos sonhos teus-
E dirás, - então já tarde, -
Que por tais gozos não vale
Deixar os braços de Deus.
quinta-feira, 5 de junho de 2008
VISIO
Machado de Assis - Crisálidas
ERAS PÁLIDA. E os cabelos,
Aéreos, soltos novelos
Sobre as espáduas caíam...
Os olhos meio cerrados
De volúpia e de ternura
Entre lágrimas luziam...
E os braços entrelaçados,
Como cingindo a ventura,
Ao teu seio me cingiam...
Depois, naquele delírio,
Suave, doce martírio
De pouquíssimos instantes
Os tous lábios sequiosos.
Frios, trêmulos, trocavam
Os beijos mais delirantes
E no supremo dos gozos
Ante os anjos se casavam
Nossas almas palpitantes..
Depois... depois a verdade,
A fria realidade,
A solidão, a tristeza;
Daquele sonho desperto,
Olhei... silêncio de morte
Respirava a natureza —
Era a terra, era o deserto,
Fora-se o doce transporte,
Restava a fria certeza.
Desfizera-se a mentira:
Tudo aos meus olhos fugira;
Tu e o teu olhar ardente,
Lábios trêmulos e frios,
O abraço longo e apertado.
O beijo doce e veemente;
Restavam meus desvarios,
E o incessante cuidado,
E a fantasia doente.
E agora te vejo. E fria
Tão outra estás da que eu via
Naquele sonho encantado!
És outra, calma, discreta,
Com o olhar indiferente,
Tão outro do olhar sonhado,
Que a minha alma de poeta
Não se vê a imagem presente
Foi a visão do passado
Foi, sim, mas visão apenas;
Daquelas visões amenas
Que à mente dos infelizes
Descem vivas e animadas,
Cheias de luz e esperança
E de celestes matizes:
Mas, apenas dissipadas,
Fica uma leve lembrança,
Não ficam outras raízes.
Inda assim, embora sonho,
Mas, sonho doce e risonho,
Desse-me Deus que fingida
Tivesse aquela ventura
Noite por noite, hora a hora,
No que me resta de vida,
Que, já livre da amargura,
Alma, que em dores me chora,
Chorara de agradecida!
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.
Texto-base digitalizado por:
NUPILL - Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
Universidade Federal de Santa Catarina
ERAS PÁLIDA. E os cabelos,
Aéreos, soltos novelos
Sobre as espáduas caíam...
Os olhos meio cerrados
De volúpia e de ternura
Entre lágrimas luziam...
E os braços entrelaçados,
Como cingindo a ventura,
Ao teu seio me cingiam...
Depois, naquele delírio,
Suave, doce martírio
De pouquíssimos instantes
Os tous lábios sequiosos.
Frios, trêmulos, trocavam
Os beijos mais delirantes
E no supremo dos gozos
Ante os anjos se casavam
Nossas almas palpitantes..
Depois... depois a verdade,
A fria realidade,
A solidão, a tristeza;
Daquele sonho desperto,
Olhei... silêncio de morte
Respirava a natureza —
Era a terra, era o deserto,
Fora-se o doce transporte,
Restava a fria certeza.
Desfizera-se a mentira:
Tudo aos meus olhos fugira;
Tu e o teu olhar ardente,
Lábios trêmulos e frios,
O abraço longo e apertado.
O beijo doce e veemente;
Restavam meus desvarios,
E o incessante cuidado,
E a fantasia doente.
E agora te vejo. E fria
Tão outra estás da que eu via
Naquele sonho encantado!
És outra, calma, discreta,
Com o olhar indiferente,
Tão outro do olhar sonhado,
Que a minha alma de poeta
Não se vê a imagem presente
Foi a visão do passado
Foi, sim, mas visão apenas;
Daquelas visões amenas
Que à mente dos infelizes
Descem vivas e animadas,
Cheias de luz e esperança
E de celestes matizes:
Mas, apenas dissipadas,
Fica uma leve lembrança,
Não ficam outras raízes.
Inda assim, embora sonho,
Mas, sonho doce e risonho,
Desse-me Deus que fingida
Tivesse aquela ventura
Noite por noite, hora a hora,
No que me resta de vida,
Que, já livre da amargura,
Alma, que em dores me chora,
Chorara de agradecida!
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.
Texto-base digitalizado por:
NUPILL - Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
Universidade Federal de Santa Catarina
quarta-feira, 4 de junho de 2008
MUSA CONSOLATRIX
Machado de Assis - Crisálidas.
QUE A MÃO do tempo e o hálito dos homens
Murchem a flor das ilusões da vida,
Musa consoladora,
É no teu seio amigo e sossegado
Que o poeta respira o suave sono.
Não há, não há contigo,
Nem dor aguda, nem sombrios ermos;
Da tua voz os namorados cantos
Enchem, povoam tudo
De íntima paz, de vida e de conforto.
Ante esta voz que as dores adormece,
E muda o agudo espinho em flor cheirosa
Que vales tu, desilusão dos homens?
Tu que podes, ó tempo?
A alma triste do poeta sobrenada
À enchente das angústias,
E, afrontando o rugido da tormenta,
Passa cantando, alcíone divina.
Musa consoladora,
Quando da minha fronte de mancebo
A última ilusão cair, bem como
Folha amarela e seca
Que ao chão atira a viração do outono,
Ah! no teu seio amigo
Acolhe-me,— e haverá minha alma aflita,
Em vez de algumas ilusões que teve,
A paz, o último bem, último e puro!
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Texto-base digitalizado por:
NUPILL - Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
Universidade Federal de Santa Catarina
QUE A MÃO do tempo e o hálito dos homens
Murchem a flor das ilusões da vida,
Musa consoladora,
É no teu seio amigo e sossegado
Que o poeta respira o suave sono.
Não há, não há contigo,
Nem dor aguda, nem sombrios ermos;
Da tua voz os namorados cantos
Enchem, povoam tudo
De íntima paz, de vida e de conforto.
Ante esta voz que as dores adormece,
E muda o agudo espinho em flor cheirosa
Que vales tu, desilusão dos homens?
Tu que podes, ó tempo?
A alma triste do poeta sobrenada
À enchente das angústias,
E, afrontando o rugido da tormenta,
Passa cantando, alcíone divina.
Musa consoladora,
Quando da minha fronte de mancebo
A última ilusão cair, bem como
Folha amarela e seca
Que ao chão atira a viração do outono,
Ah! no teu seio amigo
Acolhe-me,— e haverá minha alma aflita,
Em vez de algumas ilusões que teve,
A paz, o último bem, último e puro!
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Texto-base digitalizado por:
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Universidade Federal de Santa Catarina
Junho, mês de Machado de Assis.
O mês de junho abre a Série Grandes Autores aqui no Brusca Poesia. Todos os meses, o blog prestará homenagem a um poeta ou poetisa, com postagens de poemas diariamente. O objetivo é oferecer aos leitores informações, dados biográficos e bibliográficos destes homens e mulheres que marcaram definitivamente, cada um a seu tempo, seus nomes na história da literatura nacional e mundial.
No mês de junho, o escolhido é Machado de Assis, o ocupante da cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras.
Joaquim Maria Machado de Assis, cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta, nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839. Filho de um operário mestiço de negro e português, Francisco José de Assis, e de D. Maria Leopoldina Machado de Assis, aquele que viria a tornar-se o maior escritor do país e um mestre da língua, perde a mãe muito cedo e é criado pela madrasta, Maria Inês, também mulata, que se dedica ao menino e o matricula na escola pública, única que freqüentará o autodidata Machado de Assis.
Aos 16 anos, publica em 12-01-1855 seu primeiro trabalho literário, o poema "Ela", na revista Marmota Fluminense, de Francisco de Paula Brito. A Livraria Paula Brito acolhia novos talentos da época, tendo publicado o citado poema e feito de Machado de Assis seu colaborador efetivo.
Publica seu primeiro livro de poesias em 1864, sob o título de Crisálidas.
Em 1867, é nomeado ajudante do diretor de publicação do Diário Oficial.
Agosto de 1869 marca a data da morte de seu amigo Faustino Xavier de Novais, e, menos de três meses depois, em 12 de novembro de 1869, casa-se com Carolina Augusta Xavier de Novais.
Nessa época, o escritor era um típico homem de letras brasileiro bem sucedido, confortavelmente amparado por um cargo público e por um casamento feliz que durou 35 anos. D. Carolina, mulher culta, apresenta Machado aos clássicos portugueses e a vários autores da língua inglesa.
Sua união foi feliz, mas sem filhos. A morte de sua esposa, em 1904, é uma sentida perda, tendo o marido dedicado à falecida o soneto Carolina, que a celebrizou.
Grande amigo do escritor paraense José Veríssimo, que dirigia a Revista Brasileira, em sua redação promoviam reuniões os intelectuais que se identificaram com a idéia de Lúcio de Mendonça de criar uma Academia Brasileira de Letras. Machado desde o princípio apoiou a idéia e compareceu às reuniões preparatórias e, no dia 28 de janeiro de 1897, quando se instalou a Academia, foi eleito presidente da instituição, cargo que ocupou até sua morte, ocorrida no Rio de Janeiro em 29 de setembro de 1908. Sua oração fúnebre foi proferida pelo acadêmico Rui Barbosa.
É o fundador da cadeira nº. 23, e escolheu o nome de José de Alencar, seu grande amigo, para ser seu patrono.
Por sua importância, a Academia Brasileira de Letras passou a ser chamada de Casa de Machado de Assis.
Dizem os críticos que Machado era "urbano, aristocrata, cosmopolita, reservado e cínico, ignorou questões sociais como a independência do Brasil e a abolição da escravatura. Passou ao longe do nacionalismo, tendo ambientado suas histórias sempre no Rio, como se não houvesse outro lugar. ... A galeria de tipos e personagens que criou revela o autor como um mestre da observação psicológica. ... Sua obra divide-se em duas fases, uma romântica e outra parnasiano-realista, quando desenvolveu inconfundível estilo desiludido, sarcástico e amargo. O domínio da linguagem é sutil e o estilo é preciso, reticente. O humor pessimista e a complexidade do pensamento, além da desconfiança na razão (no seu sentido cartesiano e iluminista), fazem com que se afaste de seus contemporâneos."
BIBLIOGRAFIA:
Comédia
Desencantos, 1861.
Tu, só tu, puro amor, 1881.
Poesia
Crisálidas, 1864.
Falenas, 1870.
Americanas, 1875.
Poesias completas, 1901.
Romance
Ressurreição, 1872.
A mão e a luva, 1874.
Helena, 1876.
Iaiá Garcia, 1878.
Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881.
Quincas Borba, 1891.
Dom Casmurro, 1899.
Esaú Jacó, 1904.
Memorial de Aires, 1908.
Conto:
Contos Fluminenses,1870.
Histórias da meia-noite, 1873.
Papéis avulsos, 1882.
Histórias sem data, 1884.
Várias histórias, 1896.
Páginas recolhidas, 1899.
Relíquias de casa velha, 1906.
Teatro
Queda que as mulheres têm para os tolos, 1861
Desencantos, 1861
Hoje avental, amanhã luva, 1861.
O caminho da porta, 1862.
O protocolo, 1862.
Quase ministro, 1863.
Os deuses de casaca, 1865.
Tu, só tu, puro amor, 1881.
Algumas obras póstumas
Crítica, 1910.
Teatro coligido, 1910.
Outras relíquias, 1921.
Correspondência, 1932.
A semana, 1914/1937.
Páginas escolhidas, 1921.
Novas relíquias, 1932.
Crônicas, 1937.
Contos Fluminenses - 2º. volume, 1937.
Crítica literária, 1937.
Crítica teatral, 1937.
Histórias românticas, 1937.
Páginas esquecidas, 1939.
Casa velha, 1944.
Diálogos e reflexões de um relojoeiro, 1956.
Crônicas de Lélio, 1958.
Conto de escola, 2002.
Antologias
Obras completas (31 volumes), 1936.
Contos e crônicas, 1958.
Contos esparsos, 1966.
Contos: Uma Antologia (02 volumes), 1998
Em 1975, a Comissão Machado de Assis, instituída pelo Ministério da Educação e Cultura, organizou e publicou as Edições críticas de obras de Machado de Assis, em 15 volumes.
Seus trabalhos são constantemente republicados, em diversos idiomas, tendo ocorrido a adaptação de alguns textos para o cinema e a televisão.
Fonte: http://www.releituras.com/machadodeassis_bio.asp
quarta-feira, 30 de abril de 2008
Conclusões de Aninha
Cora Coralina
Estavam ali parados. Marido e mulher.
Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça
tímida, humilde, sofrida.
Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho,
e tudo que tinha dentro.
Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar
novo rancho e comprar suas pobrezinhas.
O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula,
entregou sem palavra.
A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou,
se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar
E não abriu a bolsa.
Qual dos dois ajudou mais?
Donde se infere que o homem ajuda sem participar
e a mulher participa sem ajudar.
Da mesma forma aquela sentença:
"A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar."
Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada,
o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso
e ensinar a paciência do pescador.
Você faria isso, Leitor?
Antes que tudo isso se fizesse
o desvalido não morreria de fome?
Conclusão:
Na prática, a teoria é outra.
Estavam ali parados. Marido e mulher.
Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça
tímida, humilde, sofrida.
Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho,
e tudo que tinha dentro.
Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar
novo rancho e comprar suas pobrezinhas.
O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula,
entregou sem palavra.
A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou,
se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar
E não abriu a bolsa.
Qual dos dois ajudou mais?
Donde se infere que o homem ajuda sem participar
e a mulher participa sem ajudar.
Da mesma forma aquela sentença:
"A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar."
Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada,
o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso
e ensinar a paciência do pescador.
Você faria isso, Leitor?
Antes que tudo isso se fizesse
o desvalido não morreria de fome?
Conclusão:
Na prática, a teoria é outra.
segunda-feira, 28 de abril de 2008
Desalento
Florbela Espanca
Às vezes oiço rir, é ’ma agonia
Queima-me a alma como estranha brasa
Tenho ódio à luz e tenho raiva ao dia
Que me põe n’alma o fogo que m’abrasa!
Tenho sede d’amar a humanidade…
Eu ando embriagada… entontecida…
O roxo de maus lábios é saudade
Duns beijos que me deram n’outra vida!
Eu não gosto do Sol, eu tenho medo
Que me vejam nos olhos o segredo
Que só saber chorar, de ser assim…
Gosto da noite, imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!
Às vezes oiço rir, é ’ma agonia
Queima-me a alma como estranha brasa
Tenho ódio à luz e tenho raiva ao dia
Que me põe n’alma o fogo que m’abrasa!
Tenho sede d’amar a humanidade…
Eu ando embriagada… entontecida…
O roxo de maus lábios é saudade
Duns beijos que me deram n’outra vida!
Eu não gosto do Sol, eu tenho medo
Que me vejam nos olhos o segredo
Que só saber chorar, de ser assim…
Gosto da noite, imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!
sexta-feira, 18 de abril de 2008
Haroldo de Campos
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Haroldo Eurico Browne de Campos (São Paulo, 19 de agosto de 1929 — 16 de agosto de 2003) foi um poeta e tradutor brasileiro.
Haroldo fez seus estudos secundários no Colégio São Bento, onde aprendeu os primeiros idiomas estrangeiros, como latim, inglês, espanhol e francês. Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no final da década de 1940, lançando seu primeiro livro em 1949, O Auto do Possesso quando, ao lado de Décio Pignatari, participava do Clube de Poesia.
Em 1952, Décio, Haroldo e seu irmão Augusto de Campos rompem com o Clube, por divergirem quanto ao conservadorismo predominante entre os poetas, conhecidos como "Geração de 45". Fundam, então, o grupo Noigandres, passando a publicar poemas na revista do grupo, de mesmo título. Nos anos seguintes defendeu as teses que levariam os três a inaugurar em 1956 o movimento concretista, ao qual manteve-se fiel até o ano de 1963, quando inaugura um trajeto particular, centrando-se suas atenções no projeto do livro-poema "Galáxias".
Haroldo doutorou-se pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, sob orientação de Antonio Candido, tendo sido professor da PUC-SP, bem como na Universidade do Texas, em Austin.
Haroldo dirigiu até o final de sua vida a coleção Signos da Editora Perspectiva.
"Transcriou" em português poemas de autores como Homero, Dante, Mallarmé, Goethe, Mayakovski, além de textos bíblicos, como o Gênesis e o Eclesiastes. Publicou, ainda, numerosos ensaios de teoria literária, entre eles A Arte no Horizonte do Provável (1969).
Faleceu em São Paulo, tendo publicado, pouco antes, sua transcriação em português da Ilíada, de Homero.
Haroldo Eurico Browne de Campos (São Paulo, 19 de agosto de 1929 — 16 de agosto de 2003) foi um poeta e tradutor brasileiro.
Haroldo fez seus estudos secundários no Colégio São Bento, onde aprendeu os primeiros idiomas estrangeiros, como latim, inglês, espanhol e francês. Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no final da década de 1940, lançando seu primeiro livro em 1949, O Auto do Possesso quando, ao lado de Décio Pignatari, participava do Clube de Poesia.
Em 1952, Décio, Haroldo e seu irmão Augusto de Campos rompem com o Clube, por divergirem quanto ao conservadorismo predominante entre os poetas, conhecidos como "Geração de 45". Fundam, então, o grupo Noigandres, passando a publicar poemas na revista do grupo, de mesmo título. Nos anos seguintes defendeu as teses que levariam os três a inaugurar em 1956 o movimento concretista, ao qual manteve-se fiel até o ano de 1963, quando inaugura um trajeto particular, centrando-se suas atenções no projeto do livro-poema "Galáxias".
Haroldo doutorou-se pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, sob orientação de Antonio Candido, tendo sido professor da PUC-SP, bem como na Universidade do Texas, em Austin.
Haroldo dirigiu até o final de sua vida a coleção Signos da Editora Perspectiva.
"Transcriou" em português poemas de autores como Homero, Dante, Mallarmé, Goethe, Mayakovski, além de textos bíblicos, como o Gênesis e o Eclesiastes. Publicou, ainda, numerosos ensaios de teoria literária, entre eles A Arte no Horizonte do Provável (1969).
Faleceu em São Paulo, tendo publicado, pouco antes, sua transcriação em português da Ilíada, de Homero.
terça-feira, 15 de abril de 2008
MORRO DO QUE HÁ NO MUNDO
Cecília Meireles
Morro do que há no mundo:
do que vi, do que ouvi.
Morro do que vivi.
Morro comigo, apenas:
com lembranças amadas,
porém desesperadas.
Morro cheia de assombro
por não sentir em mim
nem princípio nem fim.
Morro: e a circunferência
fica, em redor, fechada.
Dentro sou tudo e nada.
(Poesias completas de Cecília Meireles)
Morro do que há no mundo:
do que vi, do que ouvi.
Morro do que vivi.
Morro comigo, apenas:
com lembranças amadas,
porém desesperadas.
Morro cheia de assombro
por não sentir em mim
nem princípio nem fim.
Morro: e a circunferência
fica, em redor, fechada.
Dentro sou tudo e nada.
(Poesias completas de Cecília Meireles)
domingo, 30 de março de 2008
Casamento
Adélia Prado
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
quarta-feira, 26 de março de 2008
Um sorriso
"Quando
com minhas mãos de labareda
te acendo e em rosa
embaixo
te espetalas
quando
com o meu aceso archote e cego
penetro a noite de tua flor que exala
urina
e mel
que busco eu com toda essa assassina
fúria de macho?
que busco eu
em fogo
aqui embaixo?
senão colher com a repentina
mão do delírio
uma outra flor: a do sorriso
que no alto o teu rosto ilumina?"
Ferreira Gullar
com minhas mãos de labareda
te acendo e em rosa
embaixo
te espetalas
quando
com o meu aceso archote e cego
penetro a noite de tua flor que exala
urina
e mel
que busco eu com toda essa assassina
fúria de macho?
que busco eu
em fogo
aqui embaixo?
senão colher com a repentina
mão do delírio
uma outra flor: a do sorriso
que no alto o teu rosto ilumina?"
Ferreira Gullar
terça-feira, 25 de março de 2008
A Carlos Drummond de Andrade
João Cabral de Melo Neto
Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.
Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.
Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.
Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.
Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.
Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.
Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.
Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.
Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.
Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.
quarta-feira, 19 de março de 2008
Inatingível
O que sou eu, gritei um dia para o infinito
E o meu grito subiu, subiu sempre
Até se diluir na distância.
Um pássaro no alto planou vôo
E mergulhou no espaço.
Eu segui porque tinha que seguir
Com as mãos na boca, em concha
Gritando para o infinito a minha dúvida.
Mas a noite espiava a minha dúvida
E eu me deitei à beira do caminho
Vendo o vulto dos outros que passavam
Na esperança da aurora.
Eu continuo à beira do caminho
Vendo a luz do infinito
Que responde ao peregrino a imensa dúvida.
Eu estou moribundo à beira do caminho.
O dia já passou milhões de vezes
E se aproxima a noite do desfecho.
Morrerei gritando a minha ânsia
Clamando a crueldade do infinito
E os pássaros cantarão quando o dia chegar
E eu já hei de estar morto à beira do caminho.
Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro, 1933
in O caminho para a distância
in Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"
E o meu grito subiu, subiu sempre
Até se diluir na distância.
Um pássaro no alto planou vôo
E mergulhou no espaço.
Eu segui porque tinha que seguir
Com as mãos na boca, em concha
Gritando para o infinito a minha dúvida.
Mas a noite espiava a minha dúvida
E eu me deitei à beira do caminho
Vendo o vulto dos outros que passavam
Na esperança da aurora.
Eu continuo à beira do caminho
Vendo a luz do infinito
Que responde ao peregrino a imensa dúvida.
Eu estou moribundo à beira do caminho.
O dia já passou milhões de vezes
E se aproxima a noite do desfecho.
Morrerei gritando a minha ânsia
Clamando a crueldade do infinito
E os pássaros cantarão quando o dia chegar
E eu já hei de estar morto à beira do caminho.
Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro, 1933
in O caminho para a distância
in Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"
14 de março - Dia da Poesia!
Em comemoração pelo Dia da Poesia, deixo aqui um belo poema de Mário Quintana, com votos de que a vida de todos tenha muito mais poesia.
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
Mário Quintana
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
Mário Quintana
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!
Neruda em voz e poesia
A inquietação de Quintana e de todos nós.
Sentimento
O que é isso que nos atravessa a todos,
Solapando certezas, varrendo verdades?
Que nome tem isso que pulsa em nós,
Que grita, esperneia e sacode?
Angústia, dizem alguns
Outros, preferem chamar de loucura
E até mesmo de paixão.
Não importa o nome que usemos
Isso que semeia dúvidas
E colhe possibilidades
É, antes de tudo, SENTIMENTO
Sentimento que avassala
Perturba
Enfraquece para potencializar
Sentimento que conjuga
dor e alegria
Saudade e presença
Conquista e frustração
Esperança e desespero
Num jogo infindo de palavras e afetos.
O que é isso senão apenas isso?
Esse sem-nome angustiante, louco e apaixonado.
Esse indefinível e indecifrável,
que só sabe quem sente (e sentir é saber).
O que é isso que sentimos agora?
Ora, a pergunta é em si resposta: SENTIMENTO.
Bia Loivos.
Solapando certezas, varrendo verdades?
Que nome tem isso que pulsa em nós,
Que grita, esperneia e sacode?
Angústia, dizem alguns
Outros, preferem chamar de loucura
E até mesmo de paixão.
Não importa o nome que usemos
Isso que semeia dúvidas
E colhe possibilidades
É, antes de tudo, SENTIMENTO
Sentimento que avassala
Perturba
Enfraquece para potencializar
Sentimento que conjuga
dor e alegria
Saudade e presença
Conquista e frustração
Esperança e desespero
Num jogo infindo de palavras e afetos.
O que é isso senão apenas isso?
Esse sem-nome angustiante, louco e apaixonado.
Esse indefinível e indecifrável,
que só sabe quem sente (e sentir é saber).
O que é isso que sentimos agora?
Ora, a pergunta é em si resposta: SENTIMENTO.
Bia Loivos.
Procurando por mim
Sou as músicas que ouço, os livros que leio, as aulas que já freqüentei.
Estou nas conversas que tenho com amigos, nas fotografias de família, nos documentos escolares, nas cartas que escrevo e não mando, nos poemas que coleciono, nos papéis de um cartório de cidade pequena.
Sou o projeto dos meus pais, a sua expectativa, e sou também o meu próprio projeto. Sou produto dos ditos e não-ditos da minha casa, e falo de mim, e produzo a mim mesma.
Sou muitas vozes, olhares e saberes. Sou alguém (ou algo?) que nem sei que sou...
Sou uma pergunta que faço a mim mesma e também o silêncio subseqüente a ela.
Sou mulher, sou filha, sou amiga, sou psicóloga, sou irmã, neta, sobrinha, prima, namorada...
Posso me definir de múltiplas formas sem que, no entanto, nenhuma delas contenha a minha multi-singularidade. Porque não há completude em mim nem fora de mim.
Bia Loivos.
Estou nas conversas que tenho com amigos, nas fotografias de família, nos documentos escolares, nas cartas que escrevo e não mando, nos poemas que coleciono, nos papéis de um cartório de cidade pequena.
Sou o projeto dos meus pais, a sua expectativa, e sou também o meu próprio projeto. Sou produto dos ditos e não-ditos da minha casa, e falo de mim, e produzo a mim mesma.
Sou muitas vozes, olhares e saberes. Sou alguém (ou algo?) que nem sei que sou...
Sou uma pergunta que faço a mim mesma e também o silêncio subseqüente a ela.
Sou mulher, sou filha, sou amiga, sou psicóloga, sou irmã, neta, sobrinha, prima, namorada...
Posso me definir de múltiplas formas sem que, no entanto, nenhuma delas contenha a minha multi-singularidade. Porque não há completude em mim nem fora de mim.
Bia Loivos.
Sobre Adriana, Ferreira Gullar e o Gatinho
O poema que você lerá a seguir é de Ferreira Gullar. Ele foi musicado pela Adriana Calcanhotto, e está no seu DVD Adriana Partimpim. Vale a pena assistir ao DVD por sua leveza e suavidade. Na verdade, sempre achei sua voz linda, doce, sutil... Um sopro musical, capaz de revigorar a quem escuta com o coração! Mas falemos mais do poema.
Ele se chama Gato pensa? e faz parte de uma série de poemas sobre um gatinho chamado Gatinho!
Como a própria Adriana explica ao introduzir a música no show que deu origem ao DVD, ela e Ferreira Gullar já são parceiros há um bom tempo e ele mudou sua vida algumas vezes. Então, ele faz a letra e ela, a música. A sintonia é afinadíssima, como vocês poderão sentir se seguirem meu conselho.
Da parceria, saíram composições maravilhosas, por sua simplicidade e seu ar pueril (afinal, não esqueçamos de que se trata de um DVD para crianças).
Eu já gostava de Ferreira Gullar antes de saber de sua paixão pelos gatos. Agora, gosto ainda mais! Não que aprecie como ele os bichanos (meu negócio são mesmo os cães!), mas sabe que estou até mais aberta aos felinos depois de conhecê-los melhor, através do olhar do poeta?
Bom, continuando, Gatinho é o gato de Ferreira Gullar, a quem ele dedicou alguns poemas, que foram musicados por Adriana Calcanhotto, entre os quais, Gato pensa?
O que pretendo aqui é tentar comunicar um pouco do que senti ao ouvir a música. Mas creio ser um tanto inútil esta minha tentativa, pois sentimentos são algo muito peculiar. Apesar de podermos falar deles constantemente e de sermos entendidos pelos outros, sabemos que, no fundo, estamos sós com nosso sentimento. E, na relação com o poema e a música, acredito ser ainda mais complexa esta equação, pois cada um é tocado de um jeito, por coisas diferentes e em momentos distintos. Mas, creio, é aí que reside toda a beleza, pois, apesar disto, podemos sentir juntos, cantar e estar em comunhão, através da música e do poema. Enfim, um casamento perfeito!
Deixo vocês agora com o poema. Até a próxima.
Gato Pensa?
Adriana Calcanhotto/Ferreira Gullar
Dizem que gato não pensa
Mas é difícil de crer.
Já que ele também não fala
Como é que se vai saber?
A verdade é que o Gatinho,
Quando mija na almofada,
Vai depressa se esconder:
Sabe que fez coisa errada.
E se a comida está quente,
Ele, antes de comer,
Muito calculadamente,
Toca com a pata pra ver.
Só quando a temperatura
Da comida está normal,
Vem ele e come afinal.
E você pode explicar
Como é que ele sabia
Que ela ia esfriar?
Ele se chama Gato pensa? e faz parte de uma série de poemas sobre um gatinho chamado Gatinho!
Como a própria Adriana explica ao introduzir a música no show que deu origem ao DVD, ela e Ferreira Gullar já são parceiros há um bom tempo e ele mudou sua vida algumas vezes. Então, ele faz a letra e ela, a música. A sintonia é afinadíssima, como vocês poderão sentir se seguirem meu conselho.
Da parceria, saíram composições maravilhosas, por sua simplicidade e seu ar pueril (afinal, não esqueçamos de que se trata de um DVD para crianças).
Eu já gostava de Ferreira Gullar antes de saber de sua paixão pelos gatos. Agora, gosto ainda mais! Não que aprecie como ele os bichanos (meu negócio são mesmo os cães!), mas sabe que estou até mais aberta aos felinos depois de conhecê-los melhor, através do olhar do poeta?
Bom, continuando, Gatinho é o gato de Ferreira Gullar, a quem ele dedicou alguns poemas, que foram musicados por Adriana Calcanhotto, entre os quais, Gato pensa?
O que pretendo aqui é tentar comunicar um pouco do que senti ao ouvir a música. Mas creio ser um tanto inútil esta minha tentativa, pois sentimentos são algo muito peculiar. Apesar de podermos falar deles constantemente e de sermos entendidos pelos outros, sabemos que, no fundo, estamos sós com nosso sentimento. E, na relação com o poema e a música, acredito ser ainda mais complexa esta equação, pois cada um é tocado de um jeito, por coisas diferentes e em momentos distintos. Mas, creio, é aí que reside toda a beleza, pois, apesar disto, podemos sentir juntos, cantar e estar em comunhão, através da música e do poema. Enfim, um casamento perfeito!
Deixo vocês agora com o poema. Até a próxima.
Gato Pensa?
Adriana Calcanhotto/Ferreira Gullar
Dizem que gato não pensa
Mas é difícil de crer.
Já que ele também não fala
Como é que se vai saber?
A verdade é que o Gatinho,
Quando mija na almofada,
Vai depressa se esconder:
Sabe que fez coisa errada.
E se a comida está quente,
Ele, antes de comer,
Muito calculadamente,
Toca com a pata pra ver.
Só quando a temperatura
Da comida está normal,
Vem ele e come afinal.
E você pode explicar
Como é que ele sabia
Que ela ia esfriar?
Museu da Língua Portuguesa.
Depois de um tempinho afastada da internet, estou de volta à atividade aqui no blog.
Hoje quero falar da minha visita ao Museu da Língua Portuguesa, em maio de 2006. Como sabem, o museu fica na Estação da Luz, em São Paulo, bem de frente para a Pinacoteca do Estado.
Lá é tudo lindo, fascinante, surpreendente. Adorei ter estado naquele lugar mágico...
Na ocasião, tirei várias fotos, entre as quais selecionei algumas para compartilhar com vocês. Espero que gostem.
Quem tiver a oportunidade, visite o Museu da Língua Portuguesa. As sensações que se tem lá são indescritíveis e inesquecíveis também. Vale muito a pena. Fica aqui a minha dica cultural da semana, risos...
Em tempo: a foto que ilustra o meu primeiro texto aqui no blog também foi tirada lá no museu.
Um abraço aos meus leitores e até breve.
Bia Loivos.
"A linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e como a vida é uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente. Isso significa que como escritor devo me prestar contas de cada palavra e considerar cada palavra o tempo necessário até ela ser novamente vida. O idioma é a única porta para o infinito, mas infelizmente está oculto sob montanha de cinzas". João Guimarães Rosa, autor de Grande Sertão: Veredas.
No reino das palavras
Boa noite.
Este blog pretende ser o lugar das palavras. Ele nasceu para ser usado por elas, para se entregar a elas docilmente, como um escravo se deixa mandar por seu senhor.
Sou escrava das palavras. As palavras me possuem, não eu a elas. Fascinam-me com tal intensidade que a elas não canso de me entregar, sempre, em qualquer hora e lugar.
Desde que aceitei esta minha condição de instrumento, tem sido assim. Mas aconteceu algo estranho que talvez os não iniciados na arte de palavrar achem dificuldades para entender. Ao perder o controle de mim mesma, encontrei o sossego de minha alma no reino das palavras! Não tenho a mim mesma, mas estou sossegada.
Este blog pretende ser o lugar das palavras. Ele nasceu para ser usado por elas, para se entregar a elas docilmente, como um escravo se deixa mandar por seu senhor.
Sou escrava das palavras. As palavras me possuem, não eu a elas. Fascinam-me com tal intensidade que a elas não canso de me entregar, sempre, em qualquer hora e lugar.
Desde que aceitei esta minha condição de instrumento, tem sido assim. Mas aconteceu algo estranho que talvez os não iniciados na arte de palavrar achem dificuldades para entender. Ao perder o controle de mim mesma, encontrei o sossego de minha alma no reino das palavras! Não tenho a mim mesma, mas estou sossegada.
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